- Comentar
Portugal não subscreveu, esta terça-feira, um documento assinado por 13 Estados-membros da União Europeia (UE) em defesa dos direitos da comunidade LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Intersexo e outros) na Hungria, que recentemente aprovou leis consideradas discriminatórias com base na orientação sexual e de género.
Treze países da União Europeia dirigiram uma carta à Comissão Europeia onde instam o executivo comunitário a "utilizar todos os instrumentos à sua disposição para garantir o pleno respeito do direito europeu", perante uma lei húngara considerada "discriminatória para as pessoas LGBT", mas Portugal decidiu não assinar o documento.
A secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, justificou o facto de Portugal não ter assinado a carta com o argumento de que o país tem de manter o "dever de neutralidade" enquanto atual presidente do Conselho da União Europeia.
"Não assinei o documento porque assumimos atualmente a presidência e temos um dever de neutralidade. (...) Nós temos o papel de 'mediador honesto', que tem um preço: o preço é o de que não pudemos assinar o documento", afirmou Ana Paula Zacarias.
Em declarações à TSF, João Pedro Simões Dias, especialista em Direito Comunitário e Direito Internacional Público, explicou que o dever de neutralidade, "que é um dever que obriga a não 'parciar' partes em confronto durante os debates" não pode ser confundido com "o dever de votação e de tomar posição no final de uma discussão".
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
O especialista João Pedro Simões Dias nota que o processo e o conteúdo da discussão não podem ser confundidos
"Penso que aqui há uma distinção que deve ser feita entre o processo e o conteúdo", nota o especialista.
Para João Pedro Simões Dias, "se Portugal não queria subscrever [a carta], teria sido mais frontal dizê-lo". "Dizer que não subscrevia por causa do dever de neutralidade de mediação não me parece uma justificação muito lógica", aponta.
Na opinião do especialista, "Portugal preferiu não ter uma posição neste aspeto e encontrou este argumento" para caucionar a ausência de posição.
Portugal preferiu não assumir posição sobre a matéria, mas poderia ter sido mais frontal quanto a isso, afirma o especialista
Por oposição, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz considera que Ana Paula Zacarias fez bem ao invocar o dever de neutralidade, mesmo que não seja isso que esteja em causa. Na ótica do ex-governante, ouvido pela TSF, Portugal deve resguardar-se num assunto que não é apenas político nem é consensual.
"Penso que não se chama 'dever de neutralidade', mas a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, tem razão", defende Martins da Cruz.
"Primeiro, a questão pode ser controversa, porque não é exclusivamente política, tem que ver também com a igualdade e pressupõe questões éticas. (...) A carta em questão só foi assinada por 13 dos 27 Estados-membros da União Europeia, o que significa que não é uma matéria que é aceite imediatamente por todos", refere o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros.
"Portugal tem a presidência [do Conselho da UE], pelo que tem de ser um 'mediador honesto', tem de procurar obter consensos. Portanto, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus fez bem, assim fica com as mãos mais livres para poder negociar uma conclusão e um texto final", conclui.
O antigo ministro Martins da Cruz aprova a decisão tomada por Portugal
Redigido por iniciativa da Bélgica, o texto foi assinado por mais 12 Estados-membros: Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia.
A Hungria aprovou a 15 de junho uma lei que proíbe "a promoção" da homossexualidade junto de menores. O diploma não permite "a 'representação e a promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança de sexo e da homossexualidade' junto de pessoas com menos de 18 anos", indicam os países signatários da carta, que consideram esta lei "uma forma flagrante de discriminação assente na orientação sexual, na identidade e na expressão do género".
Durante o jogo desta quarta-feira entre a Alemanha e a Hungria no Euro 2020, vários estádios alemães vão estar iluminados com as cores do arco-íris, num símbolo de solidariedade com a comunidade LGBTI+ na Hungria. Era esperado que também o grande estádio de Munique, o Allianz Arena, ficasse iluminado com as cores da bandeira LGBTI+, mas a UEFA, organizadora da competição, não o permitiu, alegando imparcialidade política e religiosa.
Notícia atualizada às 9h59