Uma sala cheia de ferramentas, máquinas, motores, bancadas de serralharia e soldadura. É aqui, na cave do Instituto de Tecnologias Náuticas, em Paço de Arcos, que estão os maquinistas e engenheiros mecânicos navais do futuro.
"Sempre gostei desta área. É boa, aprende-se bem. O meu objetivo final é ir para a Marinha", conta-nos, enquanto luta com as anilhas de uma máquina, Guilherme Gonçalves. Tem 19 anos e é aluno do curso de mecânica.
Guilherme já tem a meta traçada. Grande parte dos alunos aqui tem. Não se vem para a escola náutica se não se souber que é do mar que se quer fazer vida.
Mas a mecânica naval é apenas uma das vertentes de formação no Instituto de Tecnologias Náuticas, uma das poucas escolas profissionais em território português que tem como missão formar os profissionais do mar. O outro caminho possível é, claro, o convés, para onde vão os alunos que aqui tiram o curso de contramestre.
Desta escola, os alunos saem com a equivalência ao 12.º ano. A partir daí, podem escolher entre ingressar logo no mercado de trabalho - têm logo acesso às primeiras categorias profissionais do setor, como ajudantes de maquinistas e marinheiros - ou prosseguir os estudos.
"Todos eles têm estágios, tipicamente em empresas do setor - a Transtejo e a Soflusa, a Transinsular,... -, em embarcações ou navios. Depois de terminarem o curso, podem então iniciar a sua atividade profissional, ou então seguir para o ensino superior, geralmente para a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, para depois conseguirem aceder às carreiras de oficiais", explica Luís Carvalho, diretor da escola.
É frequente as empresas irem buscar os alunos diretamente ao instituto. Esta é uma área onde trabalho não falta. A dificuldade que a Transtejo e a Soflusa têm tido em contratar trabalhadores é prova disso - nos últimos concursos lançados pelas empresas, em julho e agosto deste ano, escassearam os profissionais com as qualificações necessárias. As transportadoras fluviais estão a colmatar a falta de mão de obra com recurso ao trabalho extraordinário, uma situação que os trabalhadores já não toleram - motivo pelo qual, esta semana, cumpriram mais uma ação de greve parcial.
"As empresas têm imensa falta de pessoas e preferem os miúdos daqui. Porque eles não são profissionais feitos, mas quando saem daqui não levam vícios. E é o que eu lhes digo a eles: "Vocês aqui têm um nicho de mercado em que acabam o curso e, realmente, têm emprego, se o desejarem", afirma José Pedrosa, coordenador do curso de mecânica naval.
A situação melhorou até com a recente reformulação das carreiras, em 2019. Fernando Esteves, coordenador do curso de contramestres, refere que o decreto-lei veio aumentar a atratividade do setor. "Agora, um marinheiro pode trabalhar na marinha de pesca, de comércio ou noutra - e antigamente não podia. O marinheiro que era da pesca só fazia pesca. Isto permite as pessoas mudarem de acordo com as ofertas de mercado", sublinha.
Mesmo assim, é difícil manter em Portugal os alunos que terminam o curso. Luís Carvalho, diretor do Instituto de Tecnologias Náuticas, nota que a diferença na remuneração é um fator decisivo.
"Para desempenhar a atividade em Portugal, os salários não são extraordinários, nem pouco mais ou menos", atira. "Temos casos de alunos que vão trabalhar para companhias estrangeiras em que os níveis salariais são completamente diferentes, não tem comparação possível.
Os problemas dos requisitos exigidos para a progressão nas carreiras também já são "históricos", segundo os professores das escolas. Assim, a mão de obra no país escasseia cada vez mais, e a tendência é para que a situação ainda venha a agravar-se, uma vez que a procura, pelos alunos, destes cursos é cada vez menor.
"Esta redução na procura que estamos a ter agora vai refletir-se no setor daqui a três, quatro ou cinco anos", prevê Luís Carvalho, que considera indispensável que haja uma "reeducação da população" sobre o mar, por parte do Governo, das escolas e até de outras entidades como as estruturas sindicais do setor.
Os jovens que continuam a procurar esta área têm, na maioria, alguma influência de tradição familiar. "Têm alguém na família [que trabalha no mar] e, portanto, sabem que este setor existe."
É o caso de Alexandre Madruga, de 20 anos, que veio de propósito dos Açores para estudar no Instituto de Tecnologias Náuticas. "Tenho um tio que é piloto de barra e tenho um primo que concluiu há pouco tempo a licenciatura em pilotagem e que agora está embarcado", conta. "Vi esta oportunidade para seguir para a Escola Náutica e decidi aproveitar."
Alexandre está no terceiro e último ano do curso de contramestre. Na turma, há outro colega, Miguel Leitão, agora com 20 anos, que também veio de propósito, há três anos, sozinho, dos Açores, para seguir o "sonho" do mar.
"Sempre tive fascínio pelo mar. Quando descobri esta escola, senti que havia de apostar na educação", revela. "Foi difícil, ao início, adaptar-me. Tive de começar a morar sozinho, a ter responsabilidades, a aprender a gerir o orçamento para fazer as compras diárias, que normalmente os nossos pais é que fazem,...", admite.
Ainda de mais longe veio Maura Lima, que é natural de São Tomé e Príncipe. A jovem de 21 anos é uma das duas únicas raparigas em toda a turma de finalistas do curso de contramestres. A vida no convés não a assusta.
"Eu gosto do mar, gosto de barcos e acho que é uma aventura", confessa Maura. Quando terminar aqui o curso profissional, pretende tirar o curso de pilotagem, no ensino superior. "Quero dar a volta ao mundo, fazer do mar a minha casa."
Sonhos que, Maura não tem dúvidas, chegarão a bom porto. E tudo começa aqui.