"Fui projetada, desmaiei e quase perdi um mamilo." As vítimas das trotinetas e o risco de amputação

No dia em que o Ministério da Administração Interna e a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária organizam o seminário "Mobilidade activa: futuro em segurança", a TSF revela o testemunho de dois feridos graves em acidentes com trotinetas e as recomendações do médico ortopedista Marino Machado.

Passava da meia-noite quando Taís Silva saiu do trabalho, a 12 de Julho de 2019.

A empregada de bar estava em risco de perder a ligação no Cais do Sodré e, por isso, recorreu a uma trotineta, na zona das Docas de Lisboa. Seguia a 19 kms/hora, mas numa área pouco iluminada não viu um obstáculo na via. "Bati de frente no pilarete partido. Fui projectada, desmaiei", recorda. Quando recuperou os sentidos, tinha a "mão completamente torta". Partiu a "terceira, quarta e quinta falange da mão direita", teve uma contusão no cotovelo esquerdo, "parti a boca, o supercílio. Quebrei dois dentes", ficou ferida no ombro, joelho, cintura e "quase perdi o mamilo direito".

Taís Silva foi operada três vezes. Colocaram-lhe fios-K (fios de aço) na mão para endireitar os dedos, mas retirar os fios foi "outra tortura". A jovem de 29 anos arrepia-se quando recorda o procedimento sem anestesia: "o médico pegou no alicate, segurava no ferro, ia rodando o ferro para poder puxar e eu sentia o ferro saindo". Taís esteve meses sem conseguir trabalhar e, mais de três anos depois do acidente, continua a pagar a fatura. "Os custos foram muito altos, mais de 10 mil euros que saíram da minha continha. O dedo mindinho continua torto, a sensibilidade não é a mesma". Por vezes, deixa cair objectos que pensa estarem seguros nas mãos. Com o Inverno, o frio também é "complicado", pois "a mão fica roxa, com a falta de circulação".

Taís Silva foi assistida no Hospital São José, em Lisboa, a unidade que recebe mais vítimas de acidentes com trotinetas. É neste hospital e também no Curry Cabral que trabalha o médico ortopedista Marino Machado, que estudou o tema há cerca de três anos. O ortopedista regista dezenas de feridos todos os meses e defende a redução dos limites de velocidade e um piso adequado. "O terreno é fundamental", salienta, assinalando mais acidentes com trotinetas na baixa lisboeta, "onde existe um terreno menos alcatroado, mais calçada portuguesa, mais carris de eléctricos. O terreno alcatroado faz toda a diferença, porque sendo o diâmetro da roda pequeno, quanto mais limpo, menos buraco, menos atrito, menos subidas e descidas tiver o piso, mais segura vai ser a viagem".

Marino Machado destaca como mais comuns as lesões na face, na coluna, "cintura escapular e ombro, cotovelo". Nos doentes que necessitam de cirurgia, o mais frequente são as fraturas no tornozelo.

Foi o caso de Nuno Henriques. Na madrugada de 5 Agosto de 2019, decidiu experimentar, pela primeira vez, uma trotineta, com um grupo de amigos. Quando chegou a sua vez, não conseguiu travar numa descida. "Saltei da trotineta" e, com a queda, ficou com "o osso de fora, com uma fratura exposta da tíbia". Foi operado de urgência, mas a ferida no tornozelo, onde a pele é muito fina e sensível, "não queria fechar". Nuno recorda que lhe "caiu tudo em cima", quando foi confrontado pelo médico com o risco de amputação, se a ferida não cicatrizasse. "Um rapaz de 41 anos ficar sem metade de uma perna ou um pé... saí da realidade. Nem queria acreditar, foram dias sem dormir, a chorar... foi muito complicado."

Durante mais de um mês, a ferida foi tratada diariamente, até começar a fechar, mas a "experiência terrível" fez com que Nuno tenha, agora, aversão às trotinetas. Nunca mais voltou a andar neste meio de transporte, "nem as quero ver" e, por sua vontade, "atirava-as todas ao rio".

Taís Silva também evita a trotineta. Desde o acidente, só voltou a usá-las "duas ou três vezes", porque está convencida que a cidade de Lisboa "não está preparada" para a circulação de trotinetas. Como Taís, quase todos os seus amigos "deixaram de andar depois da minha situação". Aos que ainda o fazem, Taís recomenda "o máximo cuidado possível".

A autora não escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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