Menos abandono, mais escolarização, professores mais velhos: o bom e mau no "Estado da Educação"

O presidente do Conselho Nacional de Educação e o diretor do Instituto de Educação da Universidade Lusófona analisam, na TSF, o relatório "Estado da Educação 2021". O aumento das taxas de escolarização é um dos aspetos positivos. Por outro lado, a retenção dos alunos estrangeiros e a falta de professores são alguns dos elementos que mais preocupam.

A propósito do relatório "Estado da Educação", divulgado esta quinta-feira, Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação, aponta como ponto negativo o menor número de alunos em todas as camadas do ensino, com exceção do ensino superior, mas, por outro lado, aplaude a diminuição das taxas de abandono.

"O número de alunos, exceto no ensino superior, tem vindo a decrescer significativamente. Essa é uma situação preocupante, não só na educação mas também para o país. Depois há um conjunto de dados, que é um sinal positivo de desenvolvimento do nosso sistema educativo, e que diz respeito às taxas de abandono, de escolarização, de repetência, que têm vindo consistentemente a diminuir, em geral, numa série de dez anos", explica à TSF Domingos Fernandes.

Para o professor do ISCTE, o documento tem dados encorajadores, o que mostra que "o sistema educativo vai melhorando a sua qualidade e a sua oferta educativa".

"Eu vi a lenta evolução das taxas de escolarização do ensino secundário. Nos anos 90 tínhamos taxas de escolarização que não saíam dos 40 e tal por cento, felizmente hoje temos o valor mais alto desde há 15 anos, 85,9% por cento", destaca.

No entanto, é preciso olhar com mais atenção para alguns aspetos, como a questão da retenção de alunos estrangeiros, nomeadamente no ensino básico.

"No primeiro ciclo do ensino básico, 8000 alunos ficaram retidos: 1,8% são portugueses, 8,6% são estrangeiros. É uma diferença bastante significativa. No terceiro ciclo, essa diferença ainda é mais marcante, 3,7% de portugueses, 9,5% de estrangeiros. Rapidamente inferimos que tem de haver uma estratégia e um cuidado da parte das políticas públicas e das escolas para colmatar esta situação", considera.

Nos últimos tempos, os professores têm estado em greve. Os docentes pedem melhores condições salariais e a integração nos quadros. Para Domingos Fernandes, a questão dos professores é essencial, e faz um alerta: vai haver falta de professores.

"Há estudos que mostram que vão aposentar-se até 2030 cerca de 30.000 professores. A reposição deste número não é uma tarefa fácil, tem de haver algum pensamento inovador e criativo, porque as universidades e os institutos politécnicos, dificilmente, terão capacidade para formar esses professores neste curto espaço de tempo", sublinha.

O acesso ao ensino superior vai sofrer mudanças e ficar mais dependente dos exames nacionais, que vão passar a valer, no mínimo, metade da nota de acesso à universidade. É isso que consta na proposta do governo, que ainda está em análise, sendo que uma das novidades será a obrigatoriedade da realização de três exames. De acordo com o presidente do Conselho Nacional de Educação, é preciso mudar a forma como se acede ao ensino superior e torná-lo mais abrangente.

"Temos um sistema de acesso ao ensino superior que tem 26 anos, muitas coisas mudaram na sociedade portuguesa", refere, adiantando que há pouco mais de 40% de alunos do ensino secundário em cursos profissionais.

"Esta realidade é muito diferente do que tínhamos há dez anos e, portanto, há uma mudança significativa dos alunos que querem ingressar no ensino superior e há alternativas que, eventualmente, são mais consistentes e que correspondem a uma maior abertura. Isto passa pela natureza das provas, que pode ir evoluindo no sentido de captarmos essa formação mais abrangente e global, que não está só preocupada com uma ou duas disciplinas, que são aquelas que contam para efeito de ingresso no ensino superior", defende.

"É preciso colorir as salas dos professores" e cativar as minorias para a profissão

Para o diretor do Instituto de Educação da Universidade Lusófona, o relatório "Estado da Educação" insiste numa questão crucial para esta década: o envelhecimento dos docentes. De forma a combater o desequilíbrio entre o número de professores que vão para a reforma e os que começam na carreira, António Teodoro pede que sejam tomadas medidas de discriminação positiva, para atrair jovens das minorias étnicas para a profissão de professor.

"Quando fui líder sindical desenvolvemos uma campanha intitulada "Dar rosto ao futuro" e eu penso que mais do que nunca esta ideia de que o professor dá rosto ao futuro deve ser retomada, mobilizando jovens para a profissão", diz, afirmando: "Este é o momento para que jovens provenientes de algumas minorias agora possam vir a aceder à profissão de professor. É preciso colorir a nossa sala dos professores."

"Há medidas que discriminação positiva que é necessário tomar. O Orçamento do Estado já prevê o pagamento dos estágios, mas essas medidas devem ir mais além, porque a situação é grave, não apenas este ano mas os próximos. O que se prevê é muito pior e não há nada pior do que um político surfar a onda. Aqui não dá, tem que se olhar para o mar e ver como é que a onda se está a formar e tomar medidas de fundo", atira.

António Teodoro destaca pela positiva o facto de haver cada vez menos alunos a chumbarem e desistirem de estudar.

"Esta é a grande conquista das últimas décadas. Há um esforço continuado das políticas públicas, mas tem muito trabalho dos professores e das escolas para diminuir a reprovação e para aumentar o tempo de permanência, impedir o abandono precoce. Lembro que atualmente estamos com 12 anos de escolaridade obrigatória, portanto, sair antes do fim da escolaridade obrigatória é não cumprir uma determinação legal. Uma coisa é o que tem a lei, outra coisa são as práticas sociais. Nesse sentido, é muito positivo", considera.

Para o diretor do Instituto de Educação da Universidade Lusófona, é muito positivo a taxa de retenção e desistência ter atingido o valor mais baixo dos últimos dez anos, mas é preciso ir mais longe na coesão social. O docente e investigador defende também que o ensino profissional nem sempre é a melhor solução.

"O alongamento da escolaridade e o alargamento a todas as camadas sociais implica um enorme esforço de diversificação das formações, garantindo que essa diversificação não é socialmente estratificada, isto é, que ajuda a manter a coesão social e que ajuda a valorizar todas as profissões e todas as oportunidades que os jovens têm. O ensino profissional tem o seu lugar, tem a sua importância, mas o que é central é que as formações e a aprendizagem tenham sentido para os jovens e para o seu presente e futuro. É mais fácil dizer do que fazer, mas é esse esforço e este debate que a sociedade tem de fazer", conclui.

Consulte aqui o relatório "Estado da Educação 2021" na íntegra

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