Populações à volta da segunda maior albufeira de Portugal estranham a situação, para a qual tem contribuído uma maior produção de energia hidroelétrica.
Da porta do café a que António Pinto deu o apelido, em Morgade, Montalegre, a vista só já lhe alcança terra seca. No verão ainda os enchia com o gigantesco espelho de água da Barragem do Alto Rabagão, também conhecida como Barragem dos Pisões. Agora, se a quiser ver, terá de fazer uns quilómetros em direção ao paredão que assegura a segunda maior albufeira do país e cujo nível baixou mais de 30 metros nos últimos meses.
Em 72 anos de vida é a segunda vez que António Pinto vê a barragem tão "mingada". No passado verão "água ainda estava aqui para cima", que é como quem diz, quase chegava à estrada. "Ainda tem bastante água lá para baixo, mas sabendo o que isto era nós estanhamos, não é?" E mais estranham os turistas, que "chegam e vão logo embora".
A falta de chuva não convence Idalina Vaz, de 72 anos, que vive em Negrões. É uma aldeia onde a água da barragem quase chega às casas quando está cheia. Agora vê-a lá ao fundo e estranha. A culpa é só da falta de chuva? Franze o sobrolho. "Hummmm. Não deve ser só disso, não! Só o facto de não chover não é caso para a barragem estar assim. Porque já houve anos secos e ela não chegou onde está agora".
"O nível da água baixou cerca de 34 metros, mas ainda pode ir até aos 40, por isso ainda não é razão para preocupação", contrapõem João Martins, de 42 anos, em Vilarinho de Negrões, outra aldeia à qual à albufeira costuma dar pelos "pés". Aliás, o cenário é um dos postais ilustrados do concelho de Montalegre.
"O problema é que nós não estamos habituados a ver a barragem tão baixa", torna João Martins, que se diz conhecedor do que também tem contribuído para a falta de água. "Aboliram as centrais a carvão e é preciso produzir energia elétrica". Logo, "a barragem tem de produzir mais".
O vice-presidente da Câmara de Montalegre, David Teixeira, confirma que a escassez de água na Barragem dos Pisões se deve a "lençóis freáticos muito reduzidos e a rios e ribeiros com quantidade de água muito baixa". Ora, a barragem vive "de transvases do vale do rio Cávado" e, neste momento, "não conseguem garantir o caudal ecológico para o Alto Rabagão". Por outro lado, a Barragem da Venda Nova já está a uma cota inferior e não permite que a EDP faça a bombagem de retorno da água".
Por outro lado, tendo em conta que tem havido "mais consumo de energias renováveis" a partir de barragens e parques eólicos, a situação obrigou a "uma produção quase diária no Alto Rabagão". Ainda de acordo com David Teixeira, "a EDP foi sensível à necessidade de manter a barragem acima dos níveis mínimos, embora ainda pudesse baixar mais 15 metros".
O vice-presidente da Câmara de Montalegre, admite que "visualmente é impactante" ver a barragem tão baixa, mas "ainda está longe de haver um problema de abastecimento de água" às populações de algumas aldeias do concelho.
A Barragem do Alto Rabagão ocupa uma área de 2000 hectares. É a segunda maior barragem de Portugal, a seguir à do Alqueva. Em terras do Barroso espera-se que fevereiro traga chuva, mas o Instituto Português do Mar e da Atmosfera não a está a prever. Pelo menos para os primeiros dez dias de fevereiro.