O contrato assinado há 18 anos já obrigou o concelho a ter a água mais cara do país, mas também obriga os munícipes que menos gastam a pagar mais na taxa de saneamento. À TSF, o autarca queixa-se de que o negócio foi parar a um "fundo abutre" que pede uma compensação milionária pela descida do tarifário. Promete avançar para a justiça para recuperar a gestão da água no concelho.
O presidente da câmara de Paços de Ferreira está cansado de ver o município enxovalhado publicamente e a ser notícia por maus motivos. Literalmente, a "gota d'água" foi a divulgação recente, em plena seca, de notícias sobre a forma como muitos habitantes do concelho têm de abrir a torneira para desperdiçar água e evitar pagar mais de saneamento.
O problema é que essa regra está no contrato de concessão assinado em 2004. Segundo Humberto Brito, o contrato tinha tudo para correr mal desde o princípio: "Previa um crescimento da população para mais de 80 mil habitantes, o concelho tem atualmente 56 mil pessoas. Cada habitante deveria gastar em média 130 litros de água, mas, na verdade, o consumo ronda os 80 litros per capita. Também previa uma taxa de rentabilidade de 10,61%, ora quem não gostaria de ter uma rentabilidade destas?"
O contrato que começou torto e nunca se endireitou
Nenhum destes pressupostos se concretizou, e logo em 2005, os privados já estavam a pedir o "reequilíbrio financeiro da concessão". A autarquia social-democrata da altura pagou cinco milhões de euros. Ainda assim, Paços de Ferreira tornou-se conhecido por ser o município com a água mais cara do país.
Conta o atual autarca que, quando chegou ao poder, "o pedido de reequilíbrio financeiro da concessão já ia nos cem milhões de euros". Como nota uma auditoria do Tribunal de Contas de 2014, o recurso a furos de água e poços privados já era comum no concelho e acentuou-se à medida que o preço da água disparava.
Humberto Brito afirma que cortou "as tarifas ao meio" e tentou negociar. "A concessionária chegou a aceitar o corte da tarifa e uma compensação de 36 milhões", só que entretanto a empresa AGS, da Somague Ambiente, que ficou com a concessão e que hoje se chama Águas de Paços de Ferreira, roeu a corda.
"E se a gestão da água acaba nas mãos de terroristas?"
Depois de vendida a um grupo espanhol, a Somague Ambiente - logo, a concessão da água de Paços de Ferreira -, acabou por passar para uma holding e para a gestão por um fundo de investimento da banca.
"Um fundo abutre, absolutamente abutre, sem qualquer interesse na gestão da água, apenas com fins especulativos." O autarca não se conforma com a maneira como a concessão da água é tratada, como outro negócio qualquer e vai mais longe: "E se a concessão acaba nas mãos dos terroristas? Não admito isto!"
É aqui que começa a tomar corpo a estratégia de recorrer à justiça para contestar o acordo e tentar reverter a concessão, devolver a gestão da água e do saneamento à câmara de Paços de Ferreira: "Ainda estamos a ver como fazer isso do ponto de vista jurídico, mas temos de acabar com esta situação."
Pelo meio, entre muitas outras divergências, há da parte dos privados um pedido de compensação que vale cerca de 150 milhões de euros; a autarquia não vê motivo para pagar e está tudo em tribunal arbitral.
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