"Tapar a miséria." Vai fechar a última drogaria de Campolide

Com décadas de existência, a drogaria e perfumaria Mavi encerra no final de novembro. É a última loja do género no bairro e promete deixar saudades entre os moradores. A saúde traiu o dono da drogaria e obriga-o agora a ir, de vez, para casa. A poucos dias do último dia, José Ferreira abriu as portas à TSF.

Numa destas frias manhãs de outono, bem cedinho e com a rádio sempre por companhia, o "senhor Zé" mostra os quatro cantos de uma casa que é hoje uma sombra de outros tempos.

Cortinados, passadeiras e mantas disfarçam as prateleiras quase vazias lá atrás. No balcão, outrora cheio de bijuteria, sobram algumas peças à espera da vaidade das senhoras do bairro.

Nas montras, ainda restam alguns vasos de loiça que, nos tempos áureos, se vendia num instante. Na prateleira do lado, sobrevivem alguns tachos e frigideiras. Por toda a loja, multiplicam-se caixas e caixinhas que guardam de tudo um pouco. Lá está a pasta medicinal Couto a cera Encerite, entre outros produtos que fazem parte do imaginário de muitos.

São peças da vida de José Ferreira, que cuidou da Mavi nos últimos 40 anos. Triste, confessa que faz tudo para "não estar a miséria à vista".

Ver o caminho

Há quase 90 anos que a Mavi é drogaria. Com o senhor , passou os últimos 40. A saúde dos olhos - ou a falta dela - obriga-o a fechar portas. O médico não lhe deixou ilusões: "vá para casa enquanto está a ver o caminho", foi o veredito. A decisão estava tomada. Fecharia portas no final de novembro.

A notícia correu depressa e revelou a solidariedade de muitos. Apareceu gente que José nunca tinha visto e muitos que são da casa. "Tem sido um stress"!

Maria Helena Alves vive no bairro de Campolide há mais de 30 anos e é uma antiga cliente da drogaria. José Prior, dono de um restaurante, também não dispensa os serviços da drogaria. Ambos sublinham a falta que a loja vai fazer.

Está tudo em promoção, anunciam papéis colados na montra, espalhados pela loja. Mesmo assim, há coisas que o "senhor zé" prefere não vender. Como uma arrastadeira que chama a atenção, no alto de uma prateleira. "Quem compra a arrastadeira, é quem está com problemas de saúde".

Ao lado, uma "raridade": um velho bidé de sanita. José Ferreira quer equilibrá-lo num daqueles suportes para pratos decorativos, mas não está fácil. "Eu faço-o aguentar. Não manda mais que eu!"

Quando já não tiver estes armários para abrir, vai dedicar-se a outra paixão: "vou jardinar". Vai "trabalhar para a mulher", diz, entre risos. "Ela é que é a grande impulsionadora do jardim".

O rádio debaixo da almofada

Assim que chega à loja, bem cedo, o "senhor Zé" liga o rádio. Uma companhia de sempre, ainda os tempos eram outros: "Tenho um rádio debaixo da minha almofada há mais de 50 anos. Não sou capaz de dormir sem ele. Acendo-o e apago-o quando me apetece". E a mulher não ouve? "Eu ligo baixinho", sorri.

Ao balcão, nestes últimos dias da Mavi, comenta-se o "estado" a que o bairro chegou: "Campolide já não interessa a ninguém", lamenta-se uma cliente. Ainda assim, os dias correm, tranquilos, na velha drogaria onde ainda se vai comprando de tudo um pouco.

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