"Uma história de horror." O vício da raspadinha na primeira pessoa

Filipa (nome fictício) jogou de forma compulsiva durante anos. Nas palavras da própria, gastou o que tinha e o que não tinha. Fala de uma doença, está em tratamento, mas diz-se em paz e ansiosa pelo dia em que voltará ao trabalho: vender jogo.

Numa altura em que o parlamento discute vários projetos sobre a publicidade aos jogos e apostas, esta é a história verdadeira de uma mulher que, um dia, procurou um "escape" na raspadinha e acabou por destruir a vida, financeira, pessoal e emocionalmente.

Ainda assim, Filipa não gosta de falar de dependência. Prefere definir-se como uma pessoa doente.

A conversa com a TSF começa lá bem atrás no tempo, há uns cinco anos. Trabalhava num café, onde também vendia jogo. Jogava, ela própria, de vez em quando. Até ao dia em que lhe saiu um prémio um pouco mais "gordo": "foi 100 euros. Não foi muito, mas foi suficiente para despertar o bichinho".

Com a vida cheia de problemas, aquele dinheiro foi o início de uma viagem que parecia sem retorno. Começou a jogar compulsivamente. Procurava um escape, uma forma de fugir às dores que a consumiam. "Quando via as cores das raspadinhas, quando eram novas, surgia aquele entusiasmo: possivelmente vai ter prémio..."

Jogava todos os dias; quase sempre, várias vezes por dia. "Chegava a gastar aos 200 euros por dia", muito mais do que o próprio vencimento. Confessa que gastou o que era dela e o que não era. "Tinha acesso a cartões de outras pessoas, de familiares, e acabei por gastar todas as economias deles."

E assim se passaram muitos meses. A custo, lá ia escondendo o que se passava. Fazia uma espécie de vida dupla. Até ao dia em que o desespero falou mais alto. Nesse dia, sem dinheiro para o essencial, Filipa decidiu escreveu um e-mail ao filho. "Ele estava longe, não me ia olhar nos olhos; então, achei que seria mais fácil". E escreveu-lhe. Uma "história de horror".

Lidou com o desapontamento dos dois filhos, mas garante que eles nunca lhe faltaram. Começou a fazer terapia, a partilhar experiências com outros jogadores compulsivos, esteve de baixa mas, algum tempo depois, voltou a trabalhar. Foram dois meses de sofrimento, até à recaída: " via as raspadinhas e tinha de fazer um esforço muito grande para não lhes tocar".

Apesar do esforço, houve um dia em que não resistiu. E teve a "infelicidade" de lhe sair 500 euros. Estava, de novo, à beira do abismo. Gastou esses 500; levantou mais mil e foi descoberta pela filha. Parou, novamente, de trabalhar, e intensificou os tratamentos.

No ano passado, Filipa entrou para os Jogadores Anónimos, uma espécie de "alcoólicos anónimos" para quem se perdeu no vício do jogo. É também lá que trata o que define como "uma doença para toda a vida". "É como se tivéssemos diabetes; temos que apanhar insulina todos os dias, para a manter controlada". No caso da raspadinha, "por maior que seja o esforço para ter uma vida plena, o pensamento continua".

Cinco anos depois do início do pesadelo, esta mulher, quase à beira da reforma, assume que está doente, mas diz-se, apesar de tudo, "em paz". Tranquila, apesar do muito que lhe passa pela cabeça, quando pensa no dia em que voltará a vender jogo: "será que eu vou conseguir enfrentar o inimigo? Será que vou conseguir resistir-lhe?".

A resposta há de chegar, um destes dias.

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