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A insularidade faz-se sentir desde logo nas viagens, e nas ligações entre o continente e o arquipélago que não têm fim. Ir de Lisboa à Ilha de São Jorge envolve tempo e paciência. No total, dez horas e três voos pelo meio. Partida da capital antes das sete da manhã, com chegada ao maior aeroporto da Região Autónoma dos Açores, o Aeroporto João Paulo II, em Ponta Delgada, perto das nove horas, tendo como base o fuso horário de Lisboa. Depois de uma espera de mais de cinco horas na capital dos Açores, mais um voo em direção à ilha Terceira. Mal saímos do avião, já estamos a embarcar noutro. Desta feita rumo- finalmente- a São Jorge.
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Mas o longo tempo passado no aeroporto revela-se, neste caso, um bom barómetro para avaliar o sobressalto dos últimos dias. Basta comparar os dois voos de ligação entre ilhas. De São Miguel à Terceira, avião lotado. Da Terceira a São Jorge, quatro mãos chegam e sobram para contar os passageiros que decidem embarcar rumo à ilha que, nos últimos dias, tem sido um dos grandes palcos de atenção mediática do país. Já dentro do avião, o tema de conversa é incontornável: a incerteza que tem norteado os últimos dias e que não deixa antever o que pode estar para vir.
Por entre os poucos passageiros, só identifico um casal de turistas italiano que anda ao longo dos últimos dias a descobrir o paraíso açoriano. Quando lhes pergunto se têm medo, a resposta mostra que estar informado ou não estar informado faz a diferença: "O que é que está a acontecer exatamente?". Por outro lado, os açorianos que estão a bordo sabem bem de mais o que está a acontecer. Mais do que isso, receiam o que pode estar para acontecer. A história já lhes ensinou a lição, e deixou-lhes marcada na mente uma data: o ano de 1964. Entretanto, outros sismos marcaram a vida da ilha, mas a crise sísmica desse período da década de 60 está especialmente presente, por ter obrigado à retirada de 5.000 habitantes.

© Rúben de Matos/TSF
O dia já está quase a cair. Uma mancha negra invade o céu de São Jorge. É de esperar que os próximos dias sejam de chuva e de temporal. Chego a solo são-jorgense em contraciclo. "O número de voos tem vindo a aumentar nos últimos dias", dizem-me, já no pequeno aeroporto da ilha. Habitualmente costumam ser dois, agora são já cinco. A frequência de barcos que efetuam a ligação entre as ilhas de São Jorge, Pico e Faial também tem aumentado. "Quem pode, já fugiu", comenta um dos taxistas.
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Contra estes sinais de que há medo no ar, há outras marcas que mostram que a vida normal continua. No voo entre a Terceira e São Jorge vem a bordo um doente, transportado numa maca. Está acompanhado por um familiar. Não quero entrar em pormenores. Pergunto-lhe apenas se há alguma razão que justifique o porquê de o familiar estar a ser transportado para a ilha de São Jorge. "Confesso que também me questionei e ainda questiono se esta é a melhor opção", responde. O medo também está presente, mas, neste caso, com a convicção de que a decisão será a mais acertada para proteger a saúde deste açoriano. Uns chegam, outros partem. Também este homem está em contra-corrente. E, tal como os habitantes que já saíram da ilha, está a abandonar a sua terra. Sem vontade de o fazer.