Urgências "à porta fechada"? Profissionais defendem acesso só para doentes referenciados

Alguns hospitais têm registado picos de afluência, com quase metade dos casos a serem identificados como "falsas urgências". Profissionais de saúde defendem que o acesso ao serviço deve ser limitado apenas aos casos realmente urgentes.

O diretor das urgências do Hospital de São João, no Porto, defende que é preciso regular o acesso ao serviço de urgências, para salvaguardar o atendimento de quem precisa de ser tratado. Nelson Pereira afirmou, esta quarta-feira, no Fórum TSF, que é preciso também reencaminhar as falsas urgências que chegam aos hospitais.

Os hospitais de São João e Gaia voltaram a bater recordes de afluência. Esta segunda-feira, registaram-se picos de afluência, com o São João a repetir o pior dia desde 2009 (no qual houve 981 atendimentos, dos quais 400 correspondentes a pulseiras azuis ou verdes - portanto, casos que deveriam ter sido atendidos nos centros de saúde) e Gaia a atingir o pior dia em toda uma década, de acordo com o Jornal de Notícias.

"Os três serviços que existem a montante dos serviços de urgência -- que são o INEM, o SNS24 e os cuidados de saúde primários -- [têm de] ser a norma, a regra. As pessoas devem aceder a um destes sistemas, para depois serem encaminhados para os serviços de urgência", defendeu Nelson Pereira, no Fórum TSF, ressalvando que "a ninguém deve ser barrado o acesso a cuidados de saúde".

"Se alguém, apesar de não cumprir a regra, acabar por bater à porta dos serviços de urgência, pode ser, naturalmente observado e tratado, se tiver uma situação urgente. Mas se foi bater à porta de um serviço de urgência erradamente, não cumprindo a regra, e não tem uma situação de urgência, que possa ser reencaminhado para outro nível de cuidados", propõe o responsável das urgências do Hospital de São João.

"O que nos preocupa é que, de uma forma crónica, e com uma disfunção que em várias décadas, nós tenhamos diariamente uma procura excessiva e desregulada", sublinha.

Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, concorda que os serviços de urgências se devem restringir aos casos urgentes.

"[As urgências] deveriam ser para utentes referenciados pelo INEM, pelo SNS24 e pelos cuidados de saúde primários", declarou, no Fórum TSF. "Tem de haver, sem dúvida, um reforço dos cuidados de saúde primários e uma aposta nos centros de saúde. Há anos que é evidente para todos, mas inexplicavelmente, essa aposta continua a não acontecer", frisou.

A posição é partilhada por Diogo Urjais, da direção da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar. "A medida essencial e fundamental era transformar o serviço de urgência numa porta fechada, isto é, o utente só iria ao serviço de urgência referenciado pelo seu médico de família, pela Saúde 24 e pelo INEM. Obviamente que isto obrigaria a um investimento em todos estes três vetores", sustenta.

Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros considera que o acesso aos serviços de urgência só deve ser limitado em último caso e em situações flagrantes. No Fórum TSF, Ana Rita Cavaco afirma que já passou por situações "ridículas" em que utentes se apresentaram nas urgências "por terem piolhos", e que, em casos desse género, sim, o acesso às urgências deve ser negado. "Não diria uma extrema limitação de acesso, apenas nestes casos muito óbvios."

O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, considera que o problema dos serviços de urgência é antigo e que só pode ser resolvido indo à raiz, mudando a forma de funcionamento dos centros de saúde.

"Os serviços de saúde devem adaptar-se às necessidades das pessoas e não as pessoas à forma de funcionamento dos serviços de saúde", aponta Alexandre Lourenço, notando que a solução deverá passar, por exemplo, pelo funcionamento em "horário pós-laboral" de forma sistemática.

"Por outro lado, é necessário desenvolver novas tecnologias, a que as novas gerações também estão mais adaptadas, e que podem ser maximizadas para dar respostas em tempo útil à população", indica.

*com Manuel Acácio e Dora Pires

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