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Um equívoco, uma distração ou talvez um copy paste mal feito. É no que querem acreditar, com ingenuidade assumida, cinco professores das Faculdades de Direito das Universidades de Coimbra, Minho e Católica, no Porto, depois de terem olhado para a nova Agenda do Trabalho Digno e terem descoberto que a novidade mais importante desta agenda pode, afinal, ser uma indignidade. A proposta de lei está agora na especialidade, depois de aprovada na generalidade no início do mês.
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Estes cinco professores que assinam esta segunda-feira um artigo de opinião no jornal Público alertam que há uma parte desta agenda que pode colocar em causa dois dos objetivos pelos quais foi criada: acabar com a precariedade e limitar os contratos a prazo.
"Então esta norma, supostamente uma das mais importantes do ponto de vista da promoção do trabalho digno e do combate à precariedade, será um verdadeiro embuste. Sim, o fator multiplicador da compensação será melhorado, passando de 18 para 24 dias de retribuição por ano. Mas isto é só uma parte da verdade. A outra parte, a outra face da lua, é que, afinal, os pressupostos de que depende o direito a essa compensação vão ser estreitados, passando a deixar de fora as hipóteses de caducidade automática, resultante do jogo da cláusula de irrenovabilidade", pode ler-se no artigo de opinião, assinado pelos cinco professores de direito.

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Em causa está o regresso da cláusula de não renovação dos contratos de trabalho, como conta um dos subscritores do artigo, o professor da Faculdade de Direito de Coimbra, João Leal Amado.
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Ouça a conversa com João Leal Amado
"Vamos imaginar: há um contrato celebrado por três, seis meses ou por um ano. Isso é a cláusula de termo, mas depois pode acrescentar, segundo a nossa lei, uma cláusula dizendo que esse contrato de três, seis ou um ano não é renovável ou não será sujeito a renovação", explicou à TSF João Leal Amado.
Assim, basta o contrato de trabalho ter esta cláusula para que o vínculo termine automaticamente no final do prazo desse contrato.
"Se assim for, na redação atual da proposta, o trabalhador em princípio não terá direito a receber qualquer compensação pela caducidade, ao contrário do que resulta da lei que foi aprovada em 2019", sublinhou o professor da Faculdade de Direito de Coimbra.
Isto, na opinião do especialista, significa um retrocesso nos direitos dos trabalhadores, condenável a todos os níveis, apesar de até estar previsto que a retribuição aumente.
"Quando o contrato caduca, o trabalhador tem direito a receber uma compensação correspondente, grosso modo, a 18 dias de salário por cada ano de antiguidade e isso passaria para 24 dias. Seria uma alteração positiva, tal como tudo o que reforçasse os direitos desses trabalhadores que são precários, vulneráveis", defende.
No entanto, essa seria uma retribuição que não iria para os bolsos do trabalhador, uma vez que o empregador, segundo a atual proposta de agenda, não teria de a pagar. Razão que leva João Leal Amado a fazer alertas.
"Chamar a atenção para o erro - se foi um erro -, ou então para contestar, de forma veemente, esta alteração e para a denunciar porque é uma alteração muito gravosa do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores. Ainda para mais sabendo que esses são os trabalhadores mais precários, aqueles que têm contratos a termo e mais carecem de proteção. Estariam aqui a ser um pouco abandonados de forma incompreensível", alertou João Leal Amado.
Os subscritores esperam, por fim, que essa norma saia da atual Agenda do Trabalho Digno.