- Comentar
Deve a violação passar a ser crime público? O debate chega, esta quinta-feira, à Assembleia da República, à boleia de uma petição que reuniu mais de 107 mil assinaturas. Uma das subscritoras é a antiga ministra da Justiça. Ouvida pela TSF, Paula Teixeira da Cruz apresenta os argumentos para defender a violação como crime público.
Relacionados
Deve a violação ser considerado crime público? O que defendem as propostas dos partidos
"A própria vítima, muitas vezes, fica de tal forma condicionada por questões sociais e culturais, que não denuncia. Nessa medida, penso que é dever da sociedade participar tanto quanto se pode participar numa reparação e numa prevenção geral, porque o medo funciona muitas vezes como um incentivo a essa tipologia de agressores", considera Paula Teixeira da Cruz.
A antiga ministra acredita que o número de vítimas é muito maior do que os números conhecidos e defende um plano nacional para as vítimas de violação.
"Temos poucas casas de abrigo. Penso que temos muito a avançar e era bom que houvesse um plano nacional estruturado de apoio à vítima, como também a ajuda de muitas organizações não-governamentais. No fundo, seria uma rede em conjunto entre entidades públicas e privadas para uma realidade que é bruta e que é quotidiana. A realidade a que nos estamos a referir é muito mais ampla do que aquela que alguns números nos revelam", afirma.
Ouça aqui, na íntegra, a entrevista da jornalista Cristina Lai Men com Paula Teixeira da Cruz
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias
Também em declarações à TSF, a vice-presidente da Associação das Mulheres contra a Violência, Margarida Medina Martins, não tem dúvidas sobre esta matéria: a violação deve passar a ser considerada como crime público.
"Este é um espaço de oportunidade, ou seja, se não se utilizar este espaço para passar a crime público, só numa próxima legislatura é que vamos retomar o tema e isso adia mais cinco ou dez anos uma coisa que devia ser uma urgência ao nível da sociedade portuguesa. Não deveríamos perder esta oportunidade de fazer progresso. A passagem a crime público sim, utilizando este espaço como oportunidade e uma forma de o Estado sair desta posição passiva que tem tido para se comprometer com a sociedade portuguesa no sentido de construir respostas a nível nacional", explica.
Ouça aqui as declarações de Margarida Medina Martins à TSF
Margarida Medina Martins sublinha a necessidade de criar uma rede de apoio às vítimas, à semelhança do que aconteceu com a violência doméstica.
"Uma rede não se constrói de um dia para o outro, os serviços não se constroem de um dia para o outro, a especialização das equipas não é de um dia para o outro. Vai levar tempo. Estamos com 50 anos de atraso em relação aos países nórdicos, temos que dar um salto qualitativo", defende, sublinhando que com a violação como um crime público, "o Estado tem que pôr esta área como prioridade, o que não tem acontecido".
A Associação das Mulheres contra a Violência trabalha há mais de 30 anos na área da violação e agressão sexual contra as mulheres.
"As mulheres sabem que quem tem de ter vergonha é o violador"
O tema subiu a debate no Fórum TSF. Dulce Rocha, procuradora e presidente do Instituto de Apoio à Criança, foi uma das primeiras subscritoras da petição, e desvaloriza o argumento de que transformar a violação em crime público pode ir contra a vontade da mulher.
"Só com a vítima é que estes crimes são investigados. Se temos possibilidade de dar início ao procedimento sem essa formalidade da queixa significa que a vítima pode ir ao hospital e os médicos podem recolher imediatamente prova para que depois não se chegue a julgamento e seja uma palavra contra a contra", considera.
Ouça aqui as declarações de Dulce Rocha à TSF
Dulce Rocha rejeita também que a ida a tribunal seja uma nova forma de violência sobre a vítima.
"As mulheres não se queixavam por vergonha? Mentira. As mulheres sabem que quem tem de ter vergonha é o violador. Elas não se sentem envergonhadas, elas estão aterrorizadas, com medo do agressor. A segunda razão é o descrédito na Justiça e pensam que não vale a pena fazer queixa porque o indivíduo vai ser absolvido", sublinha.
* Notícia atualizada às 11h10