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Qual é a pessoa que decide saltar de uma janela?, irritou-se a procuradora, respondendo à advogada. Poucas vezes assisti a uma esgrima tão dramática entre a acusação pública e quem defendia um acusado de violência doméstica: Fred, silencioso no banco dos réus, cercado por dois guardas, algemas e revólveres, preso desde que a mulher saltou do segundo andar e partiu os pés.
Os pés partidos
Minutos antes, a advogada de Fred resolvera passar as culpas para cima da vítima, numa cascata de factos e de insinuações. Ela, a mulher que saltara, era consumidora de estupefacientes, bebedora de álcool, e decidira atirar-se da janela porque sim. "Eu salto pela janela!" Disse que estava há quatro ou cinco horas a levar porrada, meu Deus! O que o relatório médico diz é apenas lesões nos pés. Porquê? Porque saltou. Se estava assim tão mal e se levava porrada todos os dias, porque razão é que nunca fugiu? Porque é que não há exames médicos das ofensas perpetradas pelo arguido? Não existem, não existem! Temos discussões entre um casal, isso ninguém põe em causa! E pelos vistos nem um, nem outro, cederam. Continuaram uma relação doente. E é culpa dos dois, obviamente! O senhor tem culpa de não ter acabado esta situação mais cedo. Pelos vistos nenhum dos dois conseguiu acabar. Não desistiram de continuar uma situação destrutiva. Aqui o senhor Fred tem culpa, sim senhora. Ele, se calhar, bebia demais. Se calhar, não! Bebia. Se calhar nós, como sociedade, temos de assumir a gravidade deste problema. Ele se calhar nem tinha a noção de que agarrar pelo braço era considerado violência. Mas era só o senhor Fred que estava a beber, ou ela também bebia? E quanto a agressões físicas, o próprio arguido também assumiu que as ofensas eram mútuas! Obviamente que somos contra qualquer crime de violência. Mas não foi como está nos autos. Não existe esta credibilidade por parte da arguida. Ela não foi empurrada da janela, não foi em desespero. A senhora é perturbada e precisa de ter apoio. Ela fez isto em interesse próprio, para se livrar da pessoa, para não dar a casa. A senhora não precisa do senhor Fred para nada e ele não precisa da senhora para nada. É português, com trabalho, mais de 20 anos de Portugal. E não há mais nenhuma outra acusação deste género! Não é pessoa que trabalhe de saltimbanco, o patrão espera por ele, paga IRS, paga Segurança Social! Um ano de reclusão foi penoso, ele tem consciência da gravidade da situação de estar preso preventivamente. Tentou por várias vezes apostar numa situação que estava falida.
Por fim, pediu-se pena suspensa.
Fez-se silêncio. A procuradora pediu a palavra e disse que a vítima assumira tudo, o bom e o mau. Até que, depois desta situação, teve uma recaída. Nem fora a vítima quem apresentara queixa, a dona do apartamento explicou que não queria uma pessoa morta lá dentro. Não estavam, portanto, a fazer festinhas um ao outro. Depois de cinco ou seis horas, a mulher saltou da janela.
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Na sentença percebi que Fred queria mudar a mulher porque ela vivia e trabalhava na noite, como se diz. Mas a juíza lembrou que ninguém tem nada a ver com as opções de vida de uma pessoa, e que os crimes foram dele. Que Fred, em dois anos de violências públicas e privadas, lhe bateu tanto que a fez saltar da janela. Que nunca mostrou um pingo de arrependimento. Três anos e seis meses de prisão para Fred, pena efectiva, de corpo na prisão. E mais cinco anos proibido de se aproximar da mulher que amou e que odiou. Longe dos seus pés magoados, com placas de platina.
O autor escreve de acordo com a anterior ortografia