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A Hepatite C atinge 13% das 13 mil pessoas que estão presas em Portugal. Entre os que têm doenças víricas a taxa chega aos 70%.
A partilha de seringas, material usado nas tatuagens e sexo desprotegido são os principais culpados e o Estabelecimento Prisional do Porto não é exceção.
Na Prisão de Custóias, João (nome fictício), de 31 anos, tomou a medicação "certinha" durante três meses e os exames acabam de lhe confirmar que está livre da hepatite C. "Fiquei super contente", conta.
O risco de reinfeção é elevado, reconhece. "Se uma pessoa tem cuidados ali dentro pior ainda..."
Ao contrário do que muitos podem pensar, as idas ao hospital não são uma boa maneira de quebrar a rotina de quem está preso.
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"É muito complicado para nós presos, somos olhados... como criminosos", desabafa António (nome fictício), de 37 anos. O facto de médicos se deslocarem à prisão muda tudo. "Aqui é a nossa casa. Aqui já não estranhamos nada. Lá fora sim."
Ouça aqui a reportagem no Estabelecimento Prisional do Porto
A medida de levar profissionais de saúde às prisões começou com um acordo entre o Estabelecimento Prisional do Porto e o Hospital de São João, mas no último ano estendeu-se às restantes prisões do país através de decreto-lei.
Rui Morgado, médico responsável em Custóias, e Guilherme Macedo, diretor do serviço de gastroenterologia do São João foram os mentores desta autêntica revolução.
"Há três ou quatro anos continuávamos a ver os doentes das prisões - e só alguns é que vinham - vir ao hospital algemados, com guardas prisionais, no meio das pessoas que olhavam com desconfiança para toda a gente. Os próprios presos sentiam-se profundamente estigmatizados", conta o primeiro.
Rui Morgado afirma que em Custóias a "aderência ao tratamento foi a 100%": mais de uma centena de reclusos foram tratados e curados e ainda não houve reinfeções.
A iniciativa mereceu aplausos da Organização Mundial de Saúde (OMS). Daniel Acuña, antigo diretor da OMS, destaca a "contribuição fundamental para o objetivo do Desenvolvimento Sustentável de 2030, que é a redução das hepatites e a eliminação do vírus".
Alguns especialistas dizem, no entanto, que nem tudo são boas notícias. "O tratamento tem demorado" devido aos constrangimentos orçamentais dos hospitais, admite Rui Morgado.
"A barreira não é a pedra nem o aço das prisões. A melhor forma de derrubar a barreira permitir que um medicamento prescrito por um médico seja facultado aos doente nas horas seguintes", lamenta, por sua vez, Guilherme Macedo
O diretor do serviço de gastroenterologia do São João lembra que a nova medicação para a hepatite C até é mais barata.
"No tempo de uma legislatura conseguimos acabar com a hepatite C em Portugal. Desde que exista esta facilidade no acesso à medicação (...) Além do ganho individual das pessoas curadas, O ganho económico é tão grande que é incompreensível que este não seja o caminho que está a ser seguido."
Um recado para os políticos portugueses: "Não deixem escapar esta oportunidade."