Números Redondos

João Nuno Coelho e João Ricardo Pateiro trazem-nos, todas as sextas-feiras, os números, tendências, marcas, nomes e perspetivas para o fim de semana de futebol.
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À sexta-feira, às 17h35.

No que é que a Liga portuguesa fica a dever às"Big 5"?

Este momento de paragem e impasse na liga portuguesa poderá, e deverá, ser aproveitado para repensar a principal competição do futebol nacional, e nesse sentido nada melhor do que contribuir para um diagnóstico profundo da prova, desde logo começando pelas estatísticas de jogo, neste caso em comparação com as principais ligas europeias.

Podíamos iniciar o diagnóstico da realidade recente da liga portuguesa, nomeadamente em comparação com as 5 grandes ligas europeias (de Espanha, Inglaterra, França, Alemanha e Itália) por questões estruturais, "macro", de índole financeiro, de audiências de TV e assistências nos estádios, de organização e promoção, mas preferimos começar por uma análise mais específica, a do jogo propriamente dito, porque será provavelmente uma análise menos vezes realizada.

Afinal de contas, quais são os dados estatísticos médios dos jogos e das equipas da liga portuguesa comparativamente com os dos encontros e emblemas das grandes ligas europeias? Qual é a realidade da liga nacional em termos de média de golos por jogo, de remates, de dribles, de faltas cometidas, de tempo útil de jogo? São assim tantas as diferenças para os melhores campeonatos, nestes aspetos? E em que dados sãos as diferenças mais significativas e relevantes?

Nada como olharmos os números da época entretanto interrompida, a de 2019/20, para responder a estas perguntas.

O famoso sal do futebol: o golo

Ninguém ficará muito surpreendido ao saber que a liga portuguesa fica a perder na comparação com as Big 5 no que diz respeito ao número total de golos marcados: utilizando o registo médio por encontro (o mais justo) este é o cenário - Alemanha, 3.25; Itália, 2.91; Inglaterra, 2.72; Espanha, 2.54; França, 2.52; Portugal, 2.42.

Mas os números assim apresentados poderão ser de leitura difícil. Mais elucidativo será dizer que numa jornada da Liga Portuguesa são marcados em média cerca de 22 golos em 9 jogos, enquanto na Alemanha esse número ascende a um pouco mais de 29 golos, no mesmo número de partidas.

No entanto, não deixa de ser um fato que a diferença referida entre Portugal e a Alemanha é a mais sensível, porque nas outras grandes ligas o registo goleador é bem inferior: em Itália marcam-se cerca de 29 golos mas em 10 partidas, em Inglaterra marcam-se em média 27 golos em 10 jogos, em Espanha e França o número é de cerca de 25 golos em 10 encontros.

Assim, sendo parece-nos que não é exatamente por aqui que a liga portuguesa fica muito a dever às ligas de topo na Europa.

Remates: um bom indicador de emoção num jogo

Passando a uma segunda dimensão fundamental de um encontro de futebol, temos os dados relativos aos remates nas 6 ligas em análise.

No que diz respeito ao número médio de tentativas de atingir a baliza contrária por parte de uma equipa em cada jogo, as assimetrias não são também muito relevantes: a Bundesliga (Alemanha) volta a liderar - em média cada equipa remata 13.5 vezes por encontro; seguem-se a Série A (Itália), com 12.9; a Premier League (Inglaterra), com 12.6; a Ligue 1 (França), com 12.6; a Liga Portuguesa, com 11.9; e a fechar o ranking, a La Liga (Espanha), com 11.5.

O mesmo se passa com os remates enquadrados em média por jogo. Mais uma vez as equipas da Bundesliga estão na frente (4.8), seguidas das da Premier League (4.4), da Série A (4.3), da Ligue 1 (4.2), enquanto as formações de La Liga e da Liga Portuguesa estão quase igualadas (3.9).

O cenário quase se repete nos remates efetuados dentro da área: as equipas alemãs são aquelas que mais vezes rematam dentro da área adversária em média por encontro, com 7.6; de novo as inglesas surgem depois, com 7.1; logo seguidas pelas italianas, com 6.6; e pelas francesas, com 6.4. Neste aspeto, a liga espanhola supera a portuguesa (6.4 contra 6.1).

Os dribles: espetáculo garantido

Se em termos de golos e remates a liga portuguesa não fica significativamente atrás das grandes ligas europeias, já no que diz respeito aos dribles (as chamadas situações de um para um), o panorama é um pouco distinto.

Neste particular, a diferença da realidade da liga portuguesa para 3 das ligas em comparação é mais significativa: por cá ficamo-nos pelos 16 dribles em média por jogo, enquanto em Inglaterra esse número sobe para quase 22, e na Alemanha e em França para cerca de 21. Já em Espanha e na Itália o número está na ordem dos 20 dribles em média por partida.

Diferenças que, não sendo abismais, refletem um futebol menos espetacular das equipas da liga portuguesa, eventualmente como consequência de uma postura mais conservadora. Aliás, não será por acaso que o mesmo sucede nos outros países do Sul desta análise, Espanha e Itália.

Onde o problema começa a agudizar-se: as faltas cometidas

Mudemos o cunho da análise, entrando noutra dimensão fundamental do jogo, e da sua "qualidade", mormente enquanto espetáculo: a das faltas cometidas.

Não é novidade que em Portugal são muitas as faltas que constantemente interrompem e quebram o ritmo dos encontros. Por responsabilidade dos jogadores (e dos árbitros, provavelmente), a verdade é os frequentes apitos de quem dirige as partidas para sancionar ações irregulares resulta neste dado incontornável, e que fica bem visível nos números.

Na liga portuguesa 2019/20, em média por jogo foram cometidas (ou mais corretamente dizendo, foram assinaladas) cerca de 32 infracções, o que, claro, corresponde a 32 paragens de jogo. Em Inglaterra esse número médio é de 21 faltas, na Alemanha é de 24, em Itália de 25, em França de 26, e em Espanha de 27.

Pode-se, portanto, afirmar que na liga portuguesa em média por jogo há mais faltas assinaladas (32) do que remates (24) ou dribles efetuados (16) por uma larga margem.

Tempo útil de jogo: o busílis da questão?

Seja devido às constantes paragens para se marcarem faltas ou à falta de fair-play que leva às frequentes "perdas de tempo", a verdade é que um dos maiores problemas (já de há muito identificado) dos encontros da liga portuguesa é o diminuto tempo útil de jogo - aquele em que a bola está efetivamente a ser disputada pelas duas equipas. Afinal de contas, o propósito do futebol, e aquilo que os espetadores (supostamente) querem ver.

Os dados disponíveis são, neste particular, muito significativos e preocupantes. Não só a liga portuguesa é claramente aquela em que menos tempo se "joga" em comparação com as Big 5, mas fica também muito mal no retrato do conjunto das principais 35 ligas europeias.

Segundo o Observatório do Futebol (CIES), há apenas 3 ligas com números inferiores de tempo útil de jogo, o que coloca o campeonato nacional na posição 32 deste ranking, com somente 51% de jogo efetivo. Ou seja, pouco mais de 45 minutos em cada 90 (é como se um jogo tivesse apenas metade da duração, no que toca ao tempo realmente aproveitado), o que reflete uma realidade muito pobre em termos de qualidade do espetáculo proporcionado.

Por exemplo, na Liga dos Campeões esse número chega aos 60%, enquanto na Bundesliga atinge os 58%, nas ligas Italiana, francesa e alemã anda perto dos 57%. Já na liga inglesa atinge os 56% e na espanhola os 54%.

Já agora, as ligas europeias com pior média de tempo útil de jogo, em 2019/20, foram a liga da República Checa (50.2%), a segunda liga espanhola (50.4) e a liga grega (50.9%). E, logo a seguir, surge a liga portuguesa...

Nota: os dados utilizados nesta análise são da OPTA, empresa de referência na observação e recolha de dados sobre futebol a nível mundial.

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