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1.
Eduardo Marçal Grilo tem 81 anos.
Parece espantoso tê-los.
Continua espantado com o mundo, continua a pensar sobre a condição humana, continua clarividente nas suas opiniões, continua informado, continua acessível aos outros.
Consegue ser esperançoso sem deixar de ser realista.
Consegue dizer as coisas difíceis, mas descomplicando os obstáculos dos caminhos, os vícios humanos, a sede de ambição dos protagonistas.
Tem uma biblioteca para onde foge.
Gosta de ler o que é novo, mas mistura com o pasmo dos clássicos. É generoso com as tentativas inteligentes que falham, mas duro com as tentativas mal-intencionadas de pensar a partir da superfície e sem qualquer preocupação de profundidade.
Marçal Grilo, o velho que foi posto no lugar pelos jovens do Conselho de Trabalhadores da RTP
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2.
Eduardo Marçal Grilo é um sábio.
Uma das referências de estabilidade em Portugal - e bolas, não são tantas assim.
Como ministro da Educação de Guterres conseguiu a quadratura do círculo, um equilíbrio improvável entre as reformas e o caos permanente de que vive o setor. Durante o seu ministério, e depois, foi um dos principais impulsionadores da democratização do Erasmus, um instrumento central no crescimento de várias gerações de portugueses.
Como administrador da Gulbenkian conseguiu oferecer da Fundação uma imagem mais próxima do concreto e mais humanizada, o que nem sempre é um atributo dos que se sentam na mesa das decisões daquela casa.
Como cidadão foi empenhado colaborando em vários projetos como a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa.
Como autor publicou livros com um elo comum: a tentativa de tornar inteligível a todos questões complexas de educação e cidadania. E publicou também pelo menos dois livros que falaram com os leitores sobre o futuro, com otimismo, mas interpelando-os a ser mais.
Ontem no Tivoli, no meu monólogo Ficheiros Secretos, mesmo no final de um espetáculo de quase três horas, recordei Cardoso Pires e uma coisa que ele me disse e que eu nunca mais esqueci. Perguntou-me se lera o seu "Anjo Ancorado" e eu respondi-lhe que não o lera ainda. O José falou-me do final do livro e de um personagem que perguntava para outro: "O que vais fazer amanhã? O que vais mesmo fazer amanhã que possa ser diferente, que possa marcar a tua passagem aqui".
3.
Por tudo isto, e até por ser ridículo, Marçal Grilo não precisa de ser defendido.
Só que no princípio desta semana tivemos acesso a um comunicado da Comissão de Trabalhadores da RTP que comentou a possibilidade de entrada de Marçal Grilo no Conselho Geral Independente do canal público.
Uma pessoa lê o comunicado e não acredita.
Não era tanto o ridículo de defender que era mais uma manobra para tornar menos independente o Conselho e por isso só podia ser uma prova de "escárnio" - argumentos extraordinários tendo em conta que Marçal Grilo no final da sua vida pública deve estar mesmo interessado em fazer favores ao governo a partir de um Conselho da RTP.
Mas o que me leva a este postal é um outro argumento que lemos no comunicado. A de que Marçal Grilo é, ainda por cima, um velho.
Um "ex-ministro octagenário".
E aí nada mais precisa de ser dito.
Um Conselho de Trabalhadores da RTP composto por gente cuja única tarefa ciclópica foi ter-se conseguido manter a trabalhar na RTP, consegue fazer o impossível: para amesquinhar Marçal Grilo insulta todas as pessoas mais velhas, todas as pessoas que nas suas cabeças, mesmo inconscientemente, já só servem para morrer. E o mais longe possível das vistas públicas.
Marçal Grilo renunciou ao lugar no Conselho Independente no mesmo dia em que saiu o comunicado.
Como poderia ser de outra maneira?
4.
Os tipos do Conselho de Trabalhadores devem estar felizes.
Devem ter ido esta semana almoçar na cantina da RTP e devem ter festejado que lixaram mais um.
Mas talvez um dia, depois da poeira da sua loucura assentar, percebam que o ridículo mata.
Marçal Grilo precisava tanto de pertencer ao Conselho Independente da RTP como eu de ser convidado para a associação dos pescadores de peixe-espada.
Isto não foi apenas ridículo, foi insultuoso e revoltante para os que estão a envelhecer, para os que o fazem mantendo a vontade de oferecer ao mundo o que a vida lhes deu.