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1.
O diretor da Antena 1, Nuno Galopim, deu por terminado o "Encontros Imediatos", talvez o mais icónico programa de autor do fim-de-semana da estação pública.
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Apresentado por João Gobern e Margarida Pinto Correia, "Encontros Imediatos" era talvez o projeto que melhor fazia a ponte entre uma ideia de rádio que está lamentavelmente a morrer e um modo cosmopolita de ver o mundo, com um olhar culto, uma banda sonora nada óbvia, opiniões informadas sobre a atualidade, mas também sobre as novas tendências e os ares de outras cidades, de Nova Iorque a Londres, de Madrid a Berlim, de Paris a Roma.
João Gobern é um dos poucos que sabe respeitar os mestres do passado sem nunca deixar de olhar o futuro.
Não conheço nenhum exemplo tão feliz.
O dia em que o João Gobern me deixou de mão estendida
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2.
Gosto de Nuno Galopim e tenho a melhor impressão do que é.
Trabalhámos juntos vários anos no Diário de Notícias. E sou amigo e admirador incondicional do seu pai, o enorme Galopim de Carvalho.
Terá tido as suas razões e não as procurei saber.
De uma maneira ou de outra, tem toda a legitimidade e como desabafava Jorge Sampaio o balanço entre o deve e o haver é sempre matéria para o fim do caminho, não para agora.
Deixo a minha discordância como ouvinte, não mais do que isso. Uma discordância ainda assim veemente.
3.
Mas quero falar-te de João Gobern.
Há uma regra que aprendi desde cedo.
Por mais que façamos, por mais que provemos, por mais experiência que acumulemos só interessa o aqui e o agora.
Mais nada.
Depois, no final da vida, alguns têm direito a um obituário e os jornalistas procuram saber o que as pessoas fizeram nos entretantos.
O João começou a ser atacado por causa da bola e do seu benfiquismo. Gente que não o conhecia de lado algum, que nunca o tinha visto, lido ou ouvido, reduziu-o ao seu miserável tamanho.
Mas o João Gobern quando começou a falar sobre futebol já era uma referência no jornalismo em Portugal.
Pelo que escreveu.
Pelos projetos em que participou.
Pelos programas de rádio.
E pelas parcerias que teve: nos gloriosos tempos iniciais da revista Visão onde nos conhecemos, nos vários sonhos comuns com o seu melhor amigo, Pedro Rolo Duarte e tantas outras coisas.
Ensinou-me muito o João na Visão.
E depois quando dirigi A Capital muito me ensinou também o seu pai, o grande Appio Sottomayor, talvez com Marina Tavares Dias o principal olissipógrafo português.
4.
O João é o amigo que eu gostava de ter.
Fomos em alguns momentos próximos, mas nunca fomos amigos. Mas eu sei como ele como amigo.
Deixou-me uma vez de mão estendida.
Na Póvoa de Varzim, uns dias antes de ser declarada a pandemia, fiz-lhe uma festa e ele disse-me que nunca me apertaria a mão antes de me ouvir sobre a minha zanga com o Pedro Rolo Duarte. E acrescentou que o momento não era ali.
Fiquei muito triste.
Pelo que acontecera e por me ter avivado outra vez o episódio com o Pedro.
Eu era diretor do Rádio Clube Português e o Pedro estava a passar por um mau bocado. A nossa relação era absolutamente umbilical, devia-lhe e devo-lhe bastante.
Quando ele me falou eu já tinha a grelha pronta e contratualizada com os acionistas, os espanhóis da Prisa. Na nossa conversa contei-lhe tudo, mas fui tristemente voluntarista. Garanti-lhe que ele faria parte do projeto, mas que nos primeiros seis meses precisava que fizesse um programa noturno de segunda a sexta-feira por ser o único espaço livre na antena.
Eu só tinha de convencer a administração, ele que desse como certo isso.
5.
Não convenci a administração.
E protelei a chamada para o Pedro por até ao último momento achar que conseguiria desbloquear.
E só a uma semana da estreia do Rádio Clube falámos.
Uma mancha que nunca apagarei.
Só nos reconciliámos um ano antes da sua morte. Convidou-me para os seus 50 anos, eu não apareci. Não me queria magoar mais e não desejava abraçá-lo e não ser como os abraços de que me recordava.
Um dia, estava a almoçar sozinho e alguém me telefonou a perguntar se já sabia.
Eu não sabia.
E chorei a morte do Pedro numa pizzaria perto da Gulbenkian.
Foi esta a conversa que eu e o João tivemos.
Antes de um abraço que me soube ao passado e à amizade.
Por isso, o João Gobern é o amigo que eu gostaria de ter.
Um dos mais extraordinários jornalistas que este país viu nascer.