Postal do Dia

Já ninguém escreve postais, mas a TSF insiste e manda bilhetes postais com destinatário. Em poucas palavras mas com ideias que fazem pensar: "Postal do Dia", com Luís Osório. De segunda a sexta-feira, depois das 18h00 e sempre em tsf.pt.

O que o bastonário se esqueceu de dizer sobre o "bebé sem rosto"

1.

O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, numa entrevista de balanço ao DN, confessou que o caso do "bebé sem rosto" foi a questão mais difícil do seu mandato.

Pela repercussão internacional.
Pelo processo e consequente expulsão do médico responsável pela tragédia.
Pela dificuldade em conseguir defender a Ordem dos Médicos reconhecendo ao mesmo tempo que devia um pedido de desculpas aos portugueses por uma situação que deveria ter sido evitada.

Recordo que o médico expulso já tinha outros processos que não tiveram resposta por parte de serviços intermédios da Ordem.

2.

Percebo o bastonário.

Mas entendo mal que não tenha reconhecido que, pior do que todas as notícias, pior do que aquilo que penou para defender a Ordem dos Médicos, terá sido certamente o sofrimento inimaginável dos pais do bebé que nasceu sem cara.

E do próprio menino que, para espanto de muitos, completou três anos em novembro.

Um dia escrevi aos pais do pequeno Rodrigo.

E volto a fazê-lo hoje.

Quero dizer-vos coisas muito simples, mas que ainda assim são lembretes de memória.

3.

Sobre o Rodrigo bastante se escreveu.

Devem lembrar-se das reportagens, dos comentários, da indignação e da solidariedade do país.

Escreveu-se também sobre a sua coragem e vontade de viver, da ternura, do primeiro sorriso - ele que parecia condenado a partir logo na primeira noite.

É incrível o que lutou. E o que luta para ter uma vida com rosto.

4.

Mas se as palavras não faltam para o vosso herói, escasseiam para vos definir.

Ao pai, David.
À mãe, Marlene.

Porque todos os dias o que fazem pelo vosso filho é uma lição para mim - pai de quatro filhos saudáveis, o que estupidamente não me impede de inventar problemas onde não existem, de ficar exasperado com as suas birras ou pequenas maleitas ou por não me apetecer brincar quando eles querem brincar, de ser comodista tantas vezes, de dar tudo por adquirido.

E nada está adquirido, nunca está.

Os dois provam que todos podemos fazer um bocadinho mais.

5.

Sei que pediram agora uma indemnização de 300 mil euros.

Não vamos falar de dinheiro - não existe que possa ser suficiente. O valor que pedem não se aproxima ao mínimo que deveriam receber.

Têm dado entrevistas, mas poucas.

Não procuram exposição.

Na altura mais crítica não procuraram ajuda das televisões, não fizeram comícios e seria tão fácil deixar a indignação falar.

O que fizeram é tão mais difícil: deixar o tempo correr para que o silêncio pudesse fazer o seu caminho.

Sem deixar o Rodrigo sozinho.

Amando-o sempre.
Protegendo-o sempre.
Acompanhando-o sem maus pensamentos, sempre.

6.

Sei que a Marlene o quer ter sempre nos braços.

Que no seu íntimo continua a ter medo que ele deixe de respirar.

Sei que o David tem 23 ou 24 anos. E que tem sido incansável.

E sei que o vosso bebé nasceu assim.

Fez três anos antes do Natal.

É único, irrepetível. E um combatente.

Tem força, coragem, resistência.

E uma enorme sorte em ter-vos como pais.

Como eu tenho sorte em saber que existem pessoas assim.

Poderosamente dignas.

Foi isso que o bastonário dos médicos se esqueceu de dizer. Não lhe teria ficado mal.

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