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1.
Carlos Nicolía é jogador de hóquei em patins.
Não é apenas um jogador, ele é um dos melhores argentinos de todos os tempos e joga no Benfica há uns anos.
Chegou a Lisboa em 2014.
Veio com a sua mulher Cecília e com o filho Cristiano - um menino de três anos.
Teve muitas dúvidas em aceitar o convite.
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Não por medo do desafio, mas pelo pânico de a sua vida se poder desmoronar.
Em San Juan, na Argentina, teria pelo menos o apoio da família, mas em Lisboa talvez fosse arriscar em demasiado.
Mas Cecília deu-lhe força.
Jurou-lhe que tudo iria correr bem, que tinha de ir, que o futuro de Cristiano era mais importante do que tudo o resto.
Quem são os monstros que insultaram Carlos Nicolía? Ouça aqui o Postal do Dia
2.
Só que o tudo o resto era pesado.
Cecília tinha um cancro que parecia estar a espalhar-se rapidamente pelo corpo.
Quando se é tão jovem, como Cecília, tudo parece um pesadelo que se resolverá num qualquer despertar, numa qualquer manhã.
Não era um sonho.
Cecília morreu três meses depois de terem chegado a Lisboa.
E Cristiano ficou sem a mãe e condenado a dificilmente se poder lembrar dos abraços, dos beijos, da felicidade, dos passeios, dos sorrisos, do leite materno, do calorzinho que o fazia adormecer, do pó de talco para não assar, das roupinhas sempre escolhidas de véspera, do que se faz o amor de uma mãe pelo seu bebé.
3.
Carlos ficou sozinho com Cristiano.
Foi apoiado pelo Benfica, dedicou-se ao clube e aprendeu a ser pai de uma outra maneira.
Alguns anos depois reconstruiu a sua vida e tem hoje mais um filho de uma segunda relação que aconteceu já em Portugal.
Cristiano tem um irmão (Roman) e os dois fazem os encantos de quem os conhece. Para espanto do pai dizem-me que preferiram jogar futebol a praticar hóquei, veremos se será definitivo.
4.
Há uns dias, a jogar no pavilhão do FC. Porto, Carlos Nicolía denunciou alguns adeptos que, por trás do banco do Benfica, o costumam atacar com palavras aterradoras, chocantes, incompreensíveis.
"Mataste a tua mulher".
"Assassino".
"Já contaste a verdade ao teu filho?"
O jogador denunciou nas suas redes sociais.
O FC Porto, e bem, abriu um inquérito para descobrir quem foi.
Mas a pergunta fica: quem é esta gente?
Quem é esta gente que, com o filho presente, agora com 11 anos, sabendo que os vai ouvir, grita estas alarvidades?
Quem é esta gente que é capaz de se aproveitar de uma tragédia pessoal, de um abismo que um dia lhes pode tocar?
5.
E poderia dar outros exemplos.
Infelizmente acontece em todos os clubes com adeptos. O problema não está nos clubes, está em alguns de nós.
Há uns tempos, um jogador do Vitória de Guimarães, hoje no Sporting (Rochinha) saiu do campo a chorar porque adeptos do Boavista celebraram a morte da sua mãe acabada de falecer.
Por vezes até em jogos de miúdos pais insultam crianças.
Que mundo é este?
Desculpa-me estar a ser ingénuo ou infantil, mas que mundo é este e que pessoas são estas?
De onde vêm?
O que têm na cabeça?
Sonham como nós?
Acreditam no amor, apaixonam-se?
Choram quando lhes morre alguém?
Beberam leites das mães e foram postos a arrotar?
Têm pessoas quem os amam, que os protegem, que se preocupam com eles?
Não tenho resposta.
A monstruosidade é deprimente.