Sinais

"Sinais" nas manhãs da TSF, com a marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos paradoxos, das mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à atualidade.
De segunda a sexta, às 08h55, com repetição às 14h10.

A mulher acocorada

A imagem, captada pelo repórter fotográfico Feisal Omar, da Reuters, está, desde ontem, na montra digital de vários jornais, da Folha de São Paulo ao Expresso: uma mulher somali acocorada, a cabeça coberta por um véu cor de terra, a mão direita segurando a torneira de onde os lábios parecem sugar uma última gota de água, uma das três torneiras ressequidas pendentes de um cano assente em estacas de madeira. O braço esquerdo da mulher que tenta beber, acocorada, protege uma criança.

A imagem ilustra as notícias mais frescas da Somália, agora mesmo oficializadas em relatórios da OMS e da Unicef: a seca causou pelo menos 43 mil mortos no país, só no último ano. Metade dos mortos da seca na Somália são crianças. Alguns, mais dados à estatística, tenderão a comparar os mortos da seca na Somália com os da guerra na Ucrânia. Serão menos, bastante menos, se pensarmos nos militares caídos em combate. Serão mais, cinco, seis vezes mais, do que os mortos civis da criminosa tragédia na Ucrânia. A comparação é, a vários títulos, insana. E, todavia, a guerra na Ucrânia é para aqui chamada, como se percebe seguindo mais de perto a reflexão dos responsáveis da missão da ONU na Somália. Há dias, o coordenador da missão disse, lá em Mogadíscio, à embaixadora dos Estados Unidos na ONU que muitos dos doadores internacionais abandonaram a Somália centrando todas as atenções na Ucrânia.

E os grandes media internacionais, que atenção têm dado a esta região onde se prevê que morram mais 18 mil pessoas nos próximos seis meses? A Somália, tal como o Quénia, enfrenta o sexto ano consecutivo de seca e é também palco de uma guerra por vezes esquecida, imposta pela extensão africana da Al-Qaeda.

Sabemos que os likes determinam muitas opções editoriais. Quantos likes obterá a imagem da mulher acocorada, sugando as gotas de uma torneira ressequida, na distante Somália? Poucos, por certo. O tema, na bitola dominante, é uma seca.

Recomendadas

Outros Conteúdos GMG

Patrocinado

Apoio de