Sinais

"Sinais" nas manhãs da TSF, com a marca de água de sempre: anotação pessoalíssima do andar dos dias, dos paradoxos, das mais perturbadoras singularidades. Todas as manhãs, num minuto, Fernando Alves continua um combate corpo a corpo com as imagens, as palavras, as ideias, os rumores que dão vento à atualidade.
De segunda a sexta, às 08h55, com repetição às 14h10.

Maria Marte, dominicana e chef

A dominicana Maria Marte chegou há duas décadas a Espanha, sem papéis.

Lavou pratos em restaurantes, passou noites sem ter onde dormir, até o nome perdeu.

Três em cada quatro militantes do Chega, a crer num estudo patrocinado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, hoje divulgado no Público, diriam: "Há raças mais trabalhadoras do que outras".

Duas décadas depois da incursão por um mundo que lhe roubou até a identidade, ela chegou a chef de um restaurante com duas estrelas Michelin e recuperou o nome, com apelido e tudo.

Maria Marte confidencia à repórter do El País o que lhe doeu mais quando chegou a Espanha: "Chamavam-me "negra". Ou " a dominicana". Quando cheguei a chef recuperei o nome".

Recuperou o seu inteiro nome, Maria Marte, apelido guerreiro. E não, simplesmente, Maria.

Leio a entrevista e soa nos meus pensamentos um velho fado de Amália, "Ai, Maria". Mas é a dominicana que conta a sua história. Agora, regressada a casa, abriu um hotel-escola e um restaurante em que os lavadores de pratos são estimulados a mostrar eventuais talentos culinários e criou uma fundação para formar mulheres desfavorecidas e promover plantas comestíveis em perigo. Reabilitou uma raiz com que os antepassados faziam o pão e que quase desaparecera. Talvez ela saiba que Marte, o deus da guerra associado ao seu apelido, cuidava também da agricultura, nas horas vagas, quando Vénus não se lhe atravessava no caminho pondo à prova a sua condição de guardador da virilidade. Que saberão disso os 31 por cento de militantes do Chega para quem, a crer no já citado estudo, "há raças ou grupos étnicos que são, por natureza, menos inteligentes do que outros"?

A história da cozinheira dominicana entretanto nomeada embaixadora da cultura ibero-americana supera as tantas novelas que embrulharam em lágrimas e fantasia o nome dela. "Pobrezinha, mas tem porte de rainha", como a Maria do fado de Amália.

Porque ninguém é simplesmente Maria. Nem alguém cujo nome seja, simplesmente, Maria.

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