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A dominicana Maria Marte chegou há duas décadas a Espanha, sem papéis.
Lavou pratos em restaurantes, passou noites sem ter onde dormir, até o nome perdeu.
Três em cada quatro militantes do Chega, a crer num estudo patrocinado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, hoje divulgado no Público, diriam: "Há raças mais trabalhadoras do que outras".
Ouça aqui a crónica na íntegra
Duas décadas depois da incursão por um mundo que lhe roubou até a identidade, ela chegou a chef de um restaurante com duas estrelas Michelin e recuperou o nome, com apelido e tudo.
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Maria Marte confidencia à repórter do El País o que lhe doeu mais quando chegou a Espanha: "Chamavam-me "negra". Ou " a dominicana". Quando cheguei a chef recuperei o nome".
Recuperou o seu inteiro nome, Maria Marte, apelido guerreiro. E não, simplesmente, Maria.
Leio a entrevista e soa nos meus pensamentos um velho fado de Amália, "Ai, Maria". Mas é a dominicana que conta a sua história. Agora, regressada a casa, abriu um hotel-escola e um restaurante em que os lavadores de pratos são estimulados a mostrar eventuais talentos culinários e criou uma fundação para formar mulheres desfavorecidas e promover plantas comestíveis em perigo. Reabilitou uma raiz com que os antepassados faziam o pão e que quase desaparecera. Talvez ela saiba que Marte, o deus da guerra associado ao seu apelido, cuidava também da agricultura, nas horas vagas, quando Vénus não se lhe atravessava no caminho pondo à prova a sua condição de guardador da virilidade. Que saberão disso os 31 por cento de militantes do Chega para quem, a crer no já citado estudo, "há raças ou grupos étnicos que são, por natureza, menos inteligentes do que outros"?
A história da cozinheira dominicana entretanto nomeada embaixadora da cultura ibero-americana supera as tantas novelas que embrulharam em lágrimas e fantasia o nome dela. "Pobrezinha, mas tem porte de rainha", como a Maria do fado de Amália.
Porque ninguém é simplesmente Maria. Nem alguém cujo nome seja, simplesmente, Maria.