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Portugal tem, por um lado, um bom desempenho nas energias renováveis, nas emissões de gases com efeito de estufa e na qualidade do ar, mas, por outro lado, destaca-se pela negativa em áreas como os resíduos e a economia circular. É esta a conclusão da 4.ª revisão de desempenho ambiental de Portugal, divulgada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, explica que esta análise da OCDE é "extremamente importante", visto que faz um "diagnóstico" sobre o desenvolvimento sustentável em Portugal, bem como "um conjunto de recomendações" para as várias vertentes ambientais do país.
"Desde o clima à economia circular, às formas de poluição do ar e da água e também àquilo que diz mais respeito às pessoas, tudo isso acaba por levar a um conjunto de recomendações que são - diria eu - como um guia para o Governo e as instituições para que sintam alguma pressão e leiam de forma positiva aquilo que são as linhas orientativas do que é necessário mudar ou melhorar em Portugal", considera Francisco Ferreira.
Ouça aqui o Verdes Hábitos sobre o desempenho ambiental de Portugal. Um trabalho com sonoplastia de Margarida Adão
As renováveis e a redução das emissões
Um dos primeiros "elogios" da OCDE a Portugal tem a ver com as energias renováveis e as emissões de gases com efeito de estufa. O presidente da Zero explica que "temos reduzido muitas emissões cruciais, como é o caso daquelas que estavam associadas à produção de eletricidade nas centrais a carvão (Sines e Pego)" e também "temos separado a nossa economia, em termos de crescimento, daquilo que são as emissões", o que significa que "somos capazes de gerar riqueza sem aumentar a poluição".
A Lei de Bases do Clima, "muito completa e ambiciosa", também contribui para a avaliação positiva da OCDE, assim como a antecipação da neutralidade climática de 2050 para 2045, isto é, "reduzir as emissões a um determinado ponto em que fiquem iguais àquilo que é o carbono capaz de ser retirado da atmosfera pelas nossas florestas".
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"Em quase todos os setores o forte elogio da aposta nas fontes renováveis e na redução das emissões de gases com efeito de estufa vem acompanhado da recomendação de que precisamos de uma ação mais sustentada e abrangente e também de nos adaptarmos mais rapidamente às alterações climáticas e aos seus efeitos", sublinha Francisco Ferreira.
A poluição e a qualidade do ar
O relatório da OCDE destaca também a poluição, referindo que "a qualidade do ar melhorou", uma vez que "nas concentrações de partículas inaláveis deixámos de ter ultrapassagens aos valores limite ao longo da última década".
Contudo, há um alerta: o dióxido de azoto, um poluente ligado ao tráfego automóvel.
"Se há o elogio em relação a essa melhoria, há também uma recomendação muito clara no facto de termos cidades onde as zonas de emissão reduzida, como é o caso de Lisboa, não estarem a ter os resultados previstos e desejados. Precisamos de uma mobilidade muito mais sustentável, com modos suaves, mais zonas pedonais, mais uso de bicicleta, menos uso do automóvel e onde os transportes públicos têm um papel muito importante, mas tem que ser combinado com a penalização do uso do automóvel", afirma Francisco Ferreira.
Os recursos hídricos e o setor agrícola
Segundo a OCDE, Portugal está acima da média da União Europeia no que diz respeito ao tratamento das águas residuais urbanas. No entanto, há vários avisos no que toca aos recursos hídricos. Francisco Ferreira destaca alguns: a sobre-exploração de aquíferos; algumas zonas "particularmente vulneráveis" face a períodos de seca mais longos, "um peso muito grande e uma necessidade de água excessiva por parte do setor agrícola" e a "poluição consequente daquilo que são as atividades agrícolas em termos de uso de fertilizantes, de herbicidas e pesticidas".
Em termos das emissões de gases com efeito de estufa, o setor agrícola é o "único setor" onde houve um aumento acima do desejável. "Quer na água, quer no clima, há esta chamada de atenção para um setor que se poderia pensar que não era dramático, mas que tem um peso grande em termos do seu impacto ambiental."
A biodiversidade e a conservação da natureza
Apesar dos elogios a Portugal, a OCDE destaca alguns pontos negativos, onde é preciso agir, nomeadamente a biodiversidade.
"Temos um país riquíssimo em termos de biodiversidade e é essa paisagem diversa que alimenta muitas atividades", indica Francisco Ferreira, notando, porém, que "os investimentos na conservação da natureza são muito reduzidos, não chegaram sequer a 0,1% do PIB em 2020 e são, agora, menos 25% do que tínhamos em 2010".
"Para que esta riqueza natural que temos em Portugal subsista, precisamos de efetivar muitos dos planos de gestão que estão previstos e deixar de ter uma pressão tão grande sobre os habitats prioritários e importantes, quer nas zonas terrestres, quer nas zonas marinhas. Muitos deles estão ainda por classificar e com algum atraso", sustenta.
Uma área "dramática": os resíduos e a economia circular
Outra das falhas apontadas pela OCDE é relativamente aos resíduos e à economia circular. Neste ponto, Francisco Ferreira esclarece que Portugal não está a conseguir reduzir a "produção de resíduos urbanos" nem as metas de reutilização, reciclagem, redução e prevenção.
"Sessenta por cento dos nossos resíduos urbanos estão a ir para aterro. Na lógica da economia circular, em que a ideia é que eu tenha um ciclo mais duradouro e consiga aproveitar os materiais para reintroduzi-los no circuito, nós estamos a falhar. Enquanto não separarmos o custo dos resíduos urbanos do custo da água, porque pagamos os resíduos em função da água que gastamos, não há estímulos à separação, à recolha seletiva, como é desejável", lamenta.
Como contribuir para uma maior sustentabilidade?
O comportamento dos cidadãos no dia a dia é a chave para que Portugal seja cada vez mais sustentável.
Por isso, no que diz respeito aos resíduos, o especialista da Zero recomenda "levar os próprios sacos para o supermercado, fazer a separação dos resíduos e usar embalagens reutilizáveis".
Já no que toca ao uso da água, é preciso "termos consciência de que é necessário poupar água para sermos mais resilientes e percebermos que também a água precisa de chegar aos estuários". "Precisamos de um uso mais eficiente e que tem que servir para os diferentes fins, incluindo os ecossistemas."
Por fim, sobre as emissões e a poluição do ar, Francisco Ferreira alerta que é preciso "fazer todas as mudanças" no setor da mobilidade, onde o "uso do automóvel continua a ser excessivo". Além disso, "em nossas casas, também podemos contribuir, colocando um painel fotovoltaico na varanda ou no telhado para reduzirmos emissões".
"Há pequenos investimentos que, se for possível fazer, traduzem-se numa contribuição e numa aposta na eficiência energética, nas energias renováveis e em menores emissões de gases com efeito de estufa", conclui.