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A Comissão Europeia propôs, no final de novembro, novas medidas para fazer face ao desperdício de embalagens. Um passo que faz parte do plano da economia circular, plano esse em que se pretende que todas as embalagens na União Europeia (UE) sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2030. Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, explica que este é "um plano amplo", apresentado em 2020, e que "prevê um conjunto largo de iniciativas".
"São cerca de 35 [medidas] e elas têm vindo a ser apresentadas ao longo do tempo, porque requer preparação e estudos de base. A ideia deste pacote global da economia circular é garantir que os produtos que são comercializados, que circulam no espaço da UE são sustentáveis. Também tem uma dimensão forte de tentar dar mais ferramentas aos consumidores e formá-los para que possam tomar decisões mais informadas e mais conscientes", esclarece a especialista, referindo que há também "um foco em alguns setores que mobilizam determinado tipo de recursos e que são mais desafiantes", como equipamentos elétricos e eletrónicos, baterias e veículos, embalagens, plásticos, têxteis ou construção de edifícios.
"Depois garantir um menor desperdício e que esta circularidade começa a concretizar-se na vida das pessoas, das regiões, das cidades, das empresas e dos países", reforça.
Ouça aqui o Verdes Hábitos sobre desperdício de embalagens. Um trabalho com sonoplastia de João Félix Pereira
Combater o desperdício de embalagens e prevenir a produção de resíduos
As mais recentes propostas da Comissão Europeia destacam o desperdício de embalagens. Susana Fonseca afirma que são "princípios muito positivos" que passam por "prevenir a produção dos resíduos, restringindo as embalagens desnecessárias, promovendo soluções de embalagens reutilizáveis e de reenchimento, fomentar a reciclagem de alta qualidade, melhorar a qualidade do material". O principal objetivo é a "obrigatoriedade, até 2030, de todas as embalagens que sejam colocadas no mercado terem de ser recicláveis".
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"Pela primeira vez são apresentadas metas específicas para a redução da produção de resíduos e reutilização de embalagens, ou seja, até agora o que tínhamos nas diretivas era sempre uma abordagem de metas na parte da reciclagem, não na prevenção. Agora, neste documento, a Comissão Europeia demonstra bem que já percebeu que o problema não está só na reciclagem, está também em evitar a produção. Desse ponto de vista são apresentadas metas para diferentes setores", adianta a perita da associação Zero.
Ainda assim, as metas são "pouco ambiciosas". "Claro que ainda temos a esperança que, durante o processo de negociação que vai decorrer agora, haja a possibilidade de reforçar algumas metas, mas tal como elas estão na área da reutilização, parece-nos que não vão ser suficientes para alterar o paradigma. Quando temos metas muito baixas, acabamos por dificultar o processo de implementação e a eficácia do sistema. Há problemas estruturais em algumas destas propostas que têm que ser reforçadas", considera Susana Fonseca.

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Resíduos de embalagem: de diretiva a regulamento obrigatório
Mas há outras novidades: "Até agora, na área das embalagens e dos resíduos de embalagem temos tido uma diretiva, ou seja, é algo que é decidido a nível europeu e depois há uma proposta final que é aprovada e que, posteriormente, os Estados-membros têm que transpor para o seu direito nacional. A proposta que está em cima da mesa neste momento é que deixe de ser uma diretiva e passe a ser um regulamento que é de aplicação obrigatória. A partir do momento em que é aprovado e da data que está estipulada para entrar em vigor, ele entra em vigor em todos os países e não se tem aqui este compasso de espera em termos de transposição para o direito nacional. Isto pode agilizar um bocadinho a implementação."
Susana Fonseca avança também que vai haver medidas para combater a sobre-embalagem, isto é "excesso de embalagem nos produtos". Os sistemas de depósito com retorno e os plásticos "compostáveis e biodegradáveis" também não foram esquecidos nestas propostas da Comissão Europeia.
"A comissão reconhece que há muita confusão no próprio sistema de reciclagem para os consumidores. Há um risco muito grande de 'greenwashing' e querem reforçar esta lógica de garantir a sustentabilidade das fontes destes materiais, garantir que é usado apenas em determinadas situações em que é uma mais-valia, nomeadamente, saquetas de chá, cápsulas de café ou plásticos para agricultura. É mais fácil colocarmos uma cápsula de café para compostagem do que estar a tentar ter processos de separação", sustenta.

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Desperdício de embalagens na UE e em Portugal
No espaço europeu, o "cenário não é muito positivo" no que toca à utilização de embalagens. "Em média, cada europeu gera cerca de 180kg de embalagens por ano. A embalagem é um dos principais destinos de materiais virgens, e também exerce uma pressão muito grande: cerca de 40% dos plásticos são dirigidos para embalagens e 50% do papel é utilizado para embalagens no espaço da UE. Aquilo que os estudos apontam é que, se nada for feito, esta grande quantidade de resíduos de embalagem que já são produzidos vai aumentar. As piores previsões apontam à volta dos 19%."
Portugal "segue a linha europeia". "Não só usamos sensivelmente a mesma quantidade de embalagens, como temos, comparando com alguns países europeus e até com a média comunitária, taxas de reciclagem mais baixas, em particular no plástico, metal e vidro, porque são áreas em que não estamos a cumprir metas. É mesmo fundamental começarmos a trabalhar para que consigamos alterar este cenário, porque não podemos manter esta lógica de estarmos a enviar toneladas de materiais úteis para a economia e o país para aterro ou a serem queimados."

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Afinal, o que é a economia circular?
Susana Fonseca explica o que está por detrás do conceito de economia circular. "Procura expressar a ideia que nós devemos produzir e consumir com o menor impacto possível. Tentar usar o menor número de recursos naturais, integrar materiais reciclados no circuito, evitar substâncias tóxicas. Lógica de prevenção e de procurar que nunca se torne um resíduo, trabalhar para que aquilo que está a ser produzido seja durável, reparável, atualizável, reutilizável, tenha uma vida tão longa quanto possível."
"Depois, quando já chegar a ser resíduo mesmo, e não possa ser utilizado enquanto tal, apostar na reciclagem para garantir que fechamos o ciclo. É uma economia que é como se funcionasse em ciclo fechado. Nunca é perfeito, há sempre resíduos que vão sendo produzidos. A ideia é otimizar ao máximo e evitar que estes recursos sejam depositados em aterro ou queimados e possam ser reintegrados na economia", acrescenta.

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A Comissão Europeia apresentou propostas e agora é tempo de negociações. Depois, o "desafio" é a implementação.
"Esperamos que durante a negociação haja espaço para melhorar de forma significativa alguns dos elementos previstos, para depois em termos de implementação ser mais eficaz", diz Susana Fonseca, sublinhando que "ainda vai haver mais medidas". Uma sobre alegações ambientais, algo que tem a ver com "as questões do 'greenwashing', de mensagens que são passadas e não são reais", e outra sobre redução de microplásticos no ambiente, "um problema praticamente omnipresente em todos os ecossistemas e seres vivos, inclusive no ser humano". Espera-se que haja novidades durante o primeiro trimestre de 2023.
Questionada sobre se estamos prontos para que as embalagens sejam totalmente recicláveis ou reutilizáveis até 2030, Susana Fonseca é clara: "Temos que estar preparados e fazer o que for necessário para tornar esta uma realidade."
"Na componente da reciclagem, já sabemos mais ou menos o que dificulta os processos de reciclagem. Tecnicamente já sabemos quais são os materiais que mais facilmente conseguem ser reciclados e as soluções que temos que implementar. Às vezes o que falta é a coragem. Tem que ser possível até porque para atingir outros objetivos, como a descarbonização da economia, vai ser fundamental trabalharmos a circularidade e trabalhá-la desde o início. Não é apenas na reciclagem, mas também na redução."

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Susana Fonseca dá algumas sugestões: "Tentar preferir produtos não embalados, comprar a granel e levar os seus próprios sacos. Se vamos comprar a granel mas estamos a consumir embalagens novas cada vez que vamos comprar, no final o benefício não será tão significativo. O ideal é comprar produtos não embalados, usar a lógica do granel, mas levando as suas próprias embalagens ou recipientes."
No entanto, se tiver mesmo de adquirir produtos embalados, como bebidas, "deve preferir produtos embalados em embalagens reutilizáveis".
E mais: "Pedir às marcas soluções diferentes, mostrar que gostariam de ter outras opções em cima da mesa que não seja apenas a embalagem descartável, reclamar sobre a sobre-embalagem, porque as marcas estão cada vez mais sensíveis a isso e é muito importante entrar em contacto com quem está a produzir e dizer que é um excesso. Quando isto não funciona podem também usar a Deco, por exemplo, que tem uma campanha de identificação destas situações e podem usar também essas vozes que conseguem amplificar a mensagem."
"Quando temos embalagens descartáveis, colocá-las sempre no ecoponto. As embalagens que entram no mercado devem ser encaminhadas corretamente para reciclagem para que possam a vir a ser reintegradas na economia, porque isso torna o nosso país mais resiliente a impactos de crises exteriores: se tivermos mais matéria-prima dentro do nosso país, não temos que importar tanto e ficamos mais salvaguardados, fora a questão ambiental, obviamente", conclui.