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São várias as substâncias químicas que prejudicam a saúde humana e ambiental e às quais estamos expostos diariamente. Entre elas estão os desreguladores endócrinos, presentes em diversos produtos do quotidiano e que nos chegam das mais variadas formas. Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, explica que os desreguladores endócrinos são "substâncias químicas que podem interferir com o nosso sistema hormonal".
"As hormonas são pequenas moléculas produzidas pelos órgãos endócrinos, como a tiroide, os ovários, ou o pâncreas, que fazem parte do sistema endócrino, e que produzem hormonas que são fundamentais para muitas áreas do nosso corpo. Estas pequenas moléculas, como o estrogénio, a testosterona, a insulina e a adrenalina são substâncias que circulam no nosso corpo e que ligam-se a determinados recetores hormonais, sendo que as células reagem, ou não, às hormonas, se têm ou não estes recetores. Desde o final dos anos 80 que há investigação sobre as implicações destas substâncias no nosso sistema endócrino, e nos últimos anos tem havido um grande investimento porque nos apercebemos que estamos perante substâncias químicas que podem ter um impacto muito significativo, quer na saúde humana, quer também em termos do equilíbrio do ambiente", esclarece Susana Fonseca.
A desregulação endócrina é particularmente preocupante, porque "o nosso sistema hormonal é responsável por guiar o desenvolvimento, desde a gestação até à idade adulta, controla como é que o nosso sistema nervoso funciona, a nossa saúde reprodutiva, a formação dos órgãos, a sua maturação, e mesmo o funcionamento do sistema imunitário".
Ouça aqui o Verdes Hábitos sobre os desreguladores endócrinos. Um trabalho com sonoplastia de Mariana Sousa Aguiar
"Todas estas áreas do nosso corpo são influenciadas pelas hormonas, sendo que estas hormonas são sinais químicos que circulam no nosso corpo. Quando há alterações a estes sinais devido à presença destas substâncias químicas - os tais desreguladores endócrinos -, os efeitos podem ser muito negativos, particularmente se ocorrerem em determinados momentos mais críticos do desenvolvimento do corpo humano, ou seja, as "janelas de vulnerabilidade" - fases como a gestação, infância, puberdade ou idade reprodutiva. Estar na presença destas substâncias não tem sempre o mesmo impacto", sustenta a especialista.
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São três as formas como os desreguladores endócrinos interferem com o sistema hormonal: "Ligando-se aos recetores hormonais, bloqueando os recetores hormonais ou alterando a própria produção das hormonas."
Susana Fonseca destaca ainda duas características "preocupantes" nestas substâncias: "O facto de não terem efeitos idênticos ao longo da vida e, ao contrário daquela frase típica de toxicologia que diz que "a dose faz o veneno", no caso dos desreguladores, muitas vezes, não é isso que acontece".
"Tal como acontece com as nossas hormonas, que, normalmente, têm um impacto significativo no nosso corpo mesmo em baixas dosagens, também no caso destas substâncias externas os impactos podem ocorrer em baixas dosagens. Não há aquela segurança de 'se estamos sujeitos a pequenas quantidades, então não vamos ter um problema, porque não está acima daquela dose a partir da qual há um impacto'", alerta, sublinhando que "é particularmente preocupante porque no nosso dia a dia, no âmbito do cocktail químico ao qual temos contacto diariamente, normalmente, estamos a falar de baixas dosagens e que, noutras substâncias pode não ser preocupante, mas no caso dos desreguladores endócrinos é".

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Susana Fonseca afirma que este tipo de substâncias químicas encontram-se "por aí, em tudo aquilo que fazemos no dia a dia".
"Podemos ter contacto através da ingestão dos alimentos devido aos resíduos de pesticidas, da água, por inalação ou absorção através da pele", sublinha.
"Estamos a falar de substâncias que estão em produtos de limpeza, higiene, nas roupas, nas embalagens, em muitos dos materiais que usamos no dia a dia, principalmente os de plástico. São quase omnipresentes."
Os impactos na saúde humana e no ambiente
A especialista refere que o sistema hormonal tem "ramificações" para várias áreas da vida humana. Por isso, "quando estamos a falar em interferências neste mesmo sistema, estamos a aumentar o risco de doenças em várias dimensões", nomeadamente, "problemas de crescimento e desenvolvimento; aumento do transtorno de défice de atenção e hiperatividade; baixo peso à nascença; cancro da mama ou próstata; problemas de tiroide; puberdade precoce; infertilidade; obesidade e diabetes tipo 2".
No que diz respeito ao ambiente e à biodiversidade, "há também uma grande uma grande exposição a estas substâncias, quer de forma direta - quando usamos pesticidas, herbicidas ou fungicidas num campo aberto - ou de forma indireta - descargas industriais, usos domésticos como os nossos esgotos ou através de artigos e produtos que não acabem bem encaminhados no fim de vida".
Os impactos destas substâncias na natureza fazem notar-se ao nível de "dificuldades reprodutivas; desenvolvimento anormal em algumas espécies; impacto nos seus sistemas imunitários; redução da espessura dos ovos, o que leva a que haja menos crias viáveis e masculinização das fêmeas e a feminização dos machos".
"As aves são muitas vezes consideradas como sentinelas, porque são populações usadas como sinal de que algo está a correr mal devido à rapidez com que reagem à presença destas substâncias", diz.
O cenário europeu e nacional
Susana Fonseca avança que "tem havido um aumento da preocupação, porque à medida que a ciência evolui, tem havido alguma mobilização do ponto de vista político para criar um quadro legal que nos proteja".
Segundo a especialista, já existe legislação no âmbito do regulamento REACH, um "regulamento chapéu na área dos químicos", e estas substâncias químicas são classificadas de "preocupação equivalente às substâncias de elevada preocupação", isto é, "entram no grupo das carcinogéneas, tóxicas para a reprodução e biocumulativas".
"Mais recentemente, no âmbito da estratégia para a sustentabilidade dos químicos de 2021, está prevista alguma consolidação e simplificação do próprio sistema regulatório, ou seja, criar critérios de identificação das substâncias que acabam por impactar substâncias químicas. Há também uma resolução clara de tentar proibir que estas substâncias surjam nos produtos de consumo, logo que sejam identificadas enquanto tal, permitindo apenas a sua utilização para fins essenciais, e não para fins mais genéricos", revela.
Portugal, "sendo recetor da legislação europeia, quer em termos da regulamentação das substâncias químicas, quer em termos da regulamentação da produção industrial, não é expectável que haja grandes diferenças entre aquilo que ocorre na União Europeia e em Portugal".
"São todos Estados-membros e estão sujeitos à mesma legislação, não parece que haja diferenças de maior. De acordo com testes que temos feito em projetos europeus, o que verificamos é que os resultados em Portugal estão em linha com os resultados nos restantes países europeus, não há grande diferença", reforça.
Na perspetiva de Susana Fonseca, a principal mensagem a reter é a regulamentação. "É através da legislação que conseguimos controlar este problema, evitá-lo, nomeadamente, proibindo a entrada no mercado de produtos que tenham estas substâncias, o fabrico da substância e a sua exportação para outros países."
"Não interessa o que acontece na União Europeia. Se há substâncias que identificamos como perigosas no nosso espaço, não devem ser exportadas para outras partes do mundo. Se são más para os europeus, também são más para todos os outros cidadãos do mundo", defende, acrescentando: "Espera-se que à medida que novas medidas legislativas vão surgindo, haja cada vez mais a capacidade dos decisores políticos de ouvirem a ciência, a ciência de quem estuda esta área, nomeadamente, a endocrinologia, e garantir que a legislação protege os cidadãos."
Como evitar o "cocktail químico" no dia a dia
Para a associação ambientalista Zero, "a responsabilidade está do lado de quem legisla e de quem coloca o produto no mercado". No entanto, os cidadãos também têm o seu papel na prevenção dos desreguladores endócrinos.
Susana Fonseca dá alguns conselhos: "Descascar bem as frutas e vegetais, lavando antes; nunca usar pesticidas em casa ou na horta; lavar e limpar bem produtos como roupas ou equipamentos para a cozinha; evitar comprar roupas que refiram que previnem a formação de odores ou contenham antibacterianos; evitar fragrâncias, perfumes ou velas perfumadas; limitar o uso de cosméticos; preferir produtos com o rótulo ecológico europeu; ventilar muito bem a casa ou o escritório; limpar o pó com frequência com panos húmidos; evitar comida embalada; nunca aquecer comida em plásticos (preferir a cerâmica ou o vidro); preferir frigideiras ou tachos em aço inoxidável."
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